'Me cobro para buscar novas maneiras de fazer velhas coisas', diz Emicida

O Leandro Roque de Oliveira, 29, já praticamente dispensa apresentações. Ele é o Emicida, rapper paulistano na linha de frente da nova geração do rap nacional.

Criado no bairro de Cachoeira, na zona norte de São Paulo, o músico, que se destacou nas batalhas de rima do metrô Santa Cruz, começou a vender sua primeira mixtape em 2009.

O CD "Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro por Comida Até Que Eu Cheguei Longe...", encartado em um envelope de papelão –e cuja faixa "Triunfo" traz a expressão "a rua é nóiz" no refrão–, era vendido por R$ 2 em filas de festas de rap.

Passados cinco anos, o MC já se apresentou em festivais pelo país e fora; lançou outros discos (inclusive com participações); experimentou shows em que interpretava trabalho de artistas de renome (como Cartola, em apresentação no Sesc); engatou músicas em games como "Max Payne 3" e "Fifa 15"; e seu selo/produtora Laboratório Fantasma lançou coleção de roupas.

Seu próximo projeto, previsto para o primeiro trimestre de 2015, é viajar para a África, onde irá gravar um EP e um documentário.

Leia abaixo a entrevista com Emicida.

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sãopaulo - Como descreve o seu estilo? Saberia fazê-lo, pontuar o que acha que o caracteriza e diferencia de outros rappers?
Emicida - Eu me vejo muito influenciado pelo samba. Não sei descrever de uma forma muito "bula de remédio", mas posso dizer que tento fugir do óbvio, dizer o óbvio de uma forma diferente para não me tornar cansativo.

O que acha da cena hip-hop brasileira atual? Conseguiu sedimentar e ocupar espaço importante na sociedade? Imaginava isso quando começou?
Imaginava, sim. Desejava ao menos, porque todos os passos na minha carreira foram pensados para isso. Acho que ocupamos um espaço na sociedade, mas ainda falta rap nos grandes festivais, tratado como música popular brasileira.

Em conversa recente com o KL Jay, ele disse que agora tem muito mais gente "puxando o bonde [da cena hip hop]". Você acha que esse bonde está bem comandado agora? Você se sente seguro em ter 'deixado a janelinha' e agora estar lá de piloto?
Do ponto de vista do rap inserido no mercado da música independente, eu me vejo sim puxando o bonde porque criamos uma empresa que virou referência internacional. Estou seguro e honrado, me cobro sempre pra estar buscando novas maneiras de fazer as velhas coisas, de inovar, estratégias diferentes, e acredito que estamos tendo êxito.

O que os Racionais MC's representam pra você? Houve alguma influência deles no seu trabalho?
Sem dúvida. O primeiro grupo de rap que ouvi foi Racionais, de cara mexeu comigo. Costumo dizer que os Racionais foram nosso livro de história, aquela história dos pretos que não está nos livros da escola. Foi engraçado porque depois de ouvir Racionais conheci Public Enemy e fiquei bravo, achando que os gringos estavam copiando o nosso rap [Risos].

Lembra qual foi (e como foi) a primeira vez que ouviu uma música dos Racionais MC's?
A introdução do "Raio-X do Brasil". Tudo que o Edi Rock fala ali definiu a forma como passei a ver o mundo.

O que achou do disco novo deles? Acha que tem alguma influência da nova geração?
Sou suspeito pra falar. Acho que o Racionais é complexo, depende da distância que você observa. Quanto mais longe, menos capta. Como é intenso, muitos veem pela inércia também. Minha viagem nesse disco aí foi outra. Tá todo mundo brisando se o papo é de ostentação e grana. Acho que eles foram mais profundos. Vi ali os pretos sendo reis, livres, e esse é um raciocínio difícil pra quem não faz ideia do que é ser preto no terceiro mundo. Aquilo é de uma profundidade pesada, deve-se olhar pra África antes da interferência violenta dos brancos, refletir sobre nobreza e liberdade africanas antes da escravatura. Pra mim, o disco é isso aí, pretos livres, coisa que nunca foi vista com bons olhos. Se tiver alguma influência da minha geração, ou até mesmo minha ali, ainda assim não é um por cento do que eles fizeram por nós. Difícil agradecer por tudo que fizeram. Honra e gratidão.

Ainda há espaço e necessidade para um rap como os Racionais fizeram até 12 anos atrás?
Sempre achei que Racionais e o hip-hop em si são arte contemporânea. Em 1988 eles foram 1988. Em 1997, foram 1997. 2002 idem e hoje se releem de acordo com o mundo de hoje.

O que diferencia a cena hip-hop de agora da cena de hip-hop daquela época?
Muita coisa. O mundo mudou. Seria esquisito se tudo continuasse igual. O modo de distribuir a música mudou, a internet virou uma chave nesse sentido. Muito mais gente escuta e faz hip-hop, falando de temas variados.

O que de mais importante aconteceu na cena do rap nos últimos tempos?
Eu me orgulho muito de ter fundado uma empresa que se tornou referência não só no rap nacional como no mercado independente de forma geral [o selo/produtora Laboratório Fantasma]. Vejo que inspiramos outros artistas a se organizarem de outra forma, investirem no próprio merchandising, na capacitação de gente para trabalhar a música como um negócio no melhor sentido da palavra, do jeito que ela merece, pra que a gente produza espetáculos cada vez melhores.

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