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Antiga fábrica e casa noturna, um imóvel particular tombado com 108 anos de história foi invadido por sem-teto na Mooca, zona leste de São Paulo.
Cerca de 300 famílias, segundo os ocupantes, dividem -se por uma área de 16 mil metros quadrados que, no início do século, abrigou a antiga fábrica de tecidos Labor e, nos anos 2000, a casa noturna Fabbrica 5, do apresentador Gugu Liberato e do ator Miguel Falabella.
No galpão principal do casarão onde, em 1913, funcionárias faziam tecidos de lã e algodão em máquinas a vapor, estão agora varais com roupas penduradas, barracos de madeira, lonas plásticas e até construções em alvenaria.
Os sem-teto usam água e luz do imóvel desativado. O banheiro é coletivo. As famílias fazem a comida com fogareiros ou fogões —elas recebem doações de integrantes de uma igreja evangélica. Um tanque de plástico foi improvisado com mangueiras.
Mãe de sete filhos de 2 a 19 anos, Giovana de Oliveira, 35, identificou-se com uma das organizadoras da ocupação, que teve início há cerca de dois meses. Ela diz participar de invasões em São Paulo há 20 anos, mas afirma não estar vinculada a nenhum movimento de moradia.
"Desocupamos outro prédio no Centro e viemos pra cá. É sempre assim, já que o governo não faz nada por nós", diz.
O haitiano Jonathan Charles, 33, é um dos que está no local, junto a outros estrangeiros vindos do seu país e da Bolívia. No Brasil desde 2014, ele conta que deixou o aluguel de R$ 600 para trás.
Quando questionado se não era arriscado investir na compra de tijolos e cimento para construir no local, outro haitiano respondeu por ele. "Aqui não tem dono. Era tanta dívida que ficou tudo para o governo", afirmou, sem saber muito bem o que dizia —o imóvel, na verdade, pertence a quatro empresas de uma família de sobrenome Mahfuz.
Curiosamente, os haitianos são os únicos que constroem em alvenaria no local, em toda a área do primeiro andar de um dos prédios.
A entrada se dá pela rua da Mooca, 699, onde carretos param diariamente para descarregar os tijolos.
A Justiça já determinou a reintegração de posse do imóvel, tombado pelos órgãos de patrimônio estadual e municipal. A data ainda não foi definida, mas o mandado já foi expedido, afirma o advogado Franksnei Freitas.
Segundo a determinação da Justiça, os responsáveis pelo prédio terão de bancar o transporte dos mobiliários e roupas dos ocupantes.
Procurado, o Condephaat, conselho estadual de patrimônio histórico, disse que só fiscaliza imóveis tombados a partir de denúncias ou em vistorias por demandas de pedidos de aprovação.
O órgão, sob a gestão Márcio França (PSB), afirmou ainda que enviará ofício aos proprietários sobre as providências tomadas, a fim de garantir a integridade do bem tombado.
No local, a reportagem encontrou o prédio em estado de deterioração, com madeiras nos telhados e janelas consumidas por cupim.
Já o Conpresp, órgão municipal do patrimônio sob a gestão Bruno Covas (PSDB), disse que, como o imóvel é particular, cabe ao dono sua conservação e decisão sobre o uso.
Para o urbanista Ciro Pirondi, diretor e professor da Escola da Cidade, um projeto em parceria com o poder público seria uma boa saída para a antiga fábrica.
"As memórias da arquitetura são descontínuas, um exemplo disso é uma gare de trem virar o Museu da Língua Portuguesa [na Luz, região central]. É possível adaptar os locais para um novo uso", afirmou ele.
Pirondi lembrou ainda que na Holanda, por exemplo, regiões fabris foram ocupadas e, posteriormente, transformadas em locais de habitação popular.