Anti-Venezuela, Bolsonaro imita ideias chavistas; PT se alinha no eixo externo
Capitão cita militarização, ameaças à oposição e nomeações para STF; PT apoia Cuba e Nicarágua
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Bem-vindo à disputa, medíocre. Vamos te pulverizar na eleição", disse em 2012 o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez (1954-2013), a Henrique Capriles, candidato da oposição chamada por ele de esquálida e apátrida.
A retórica belicista do tenente-coronel foi incorporada por seu sucessor, Nicolás Maduro, e mobilizou seguidores do regime que, após Chávez, ampliou a inspiração militar.
Esse domínio quase total do chavismo na política e na economia da Venezuela é citado por críticos como a principal causa da crise que expulsou 1,9 milhão de pessoas do país desde 2016, segundo a ONU.
Em sua campanha para a Presidência do Brasil, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, faz da Venezuela um sinônimo para inferno e liga Maduro ao PT de seu adversário, Fernando Haddad —partido que continua a defender o afilhado de Chávez mesmo tendo se convertido em ditador.
As ideias do capitão reformado de direita que disse admirar Chávez em 1999, porém, têm pontos comuns com as do tenente-coronel de esquerda.
Ambos evocam o patriotismo contra opositores e para mobilizar sua base ("vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil", disse o presidenciável no domingo, 21, antes de ameaçar a oposição com cadeia ou desterro).
Bolsonaro converge com Chávez e Maduro também na ideia de manter militares em áreas estratégicas do governo. Além da Defesa, pasta a ser ocupada pelo general Augusto Heleno, deve vir das Forças Armadas o titular da Infraestrutura.
Hoje, os militares venezuelanos controlam 9 dos 33 ministérios, a petroleira PDVSA, a distribuição de alimentos e bancos. Também é militar Diosdado Cabello, número dois do chavismo e presidente da Assembleia Constituinte.
Mas é no mais controverso de seus aspectos que o chavismo achou duplo eco no Brasil. A criação de uma nova Constituição surgiu tanto na campanha de PSL quanto na do PT.
O vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, sugeriu formar uma comissão de notáveis para redigir uma nova Constituição. Já o plano de governo de PT propunha a nova Carta para refundar do Estado —que, alega o partido, teve seu pacto rompido com o impeachment de Dilma Rousseff.
A ideia, porém, foi afastada nos dois casos: Bolsonaro desautorizou Mourão, e Haddad retirou a ideia do programa.
O chavismo recorreu à Constituinte duas vezes: em 1999, no primeiro ano de mandato de Chávez, para refundar o Estado. Já a segunda foi desatada por Maduro em 2017, mas usada até o momento para cassar poderes da Assembleia Nacional opositora, invalidar partidos adversários e aprovar leis que aprofundaram o controle do Executivo.
Outra medida de Chávez, o aumento de cadeiras no Supremo Tribunal Federal (STF) foi sugerido por Bolsonaro. Em 2004, o venezuelano passou de 20 para 32 os membros do Tribunal Supremo de Justiça, passando a dominar o tribunal. A composição também foi possível com a instituição de mandatos para juízes, como Haddad propõe.
Alvo preferencial de Chávez e Maduro na Venezuela, no Brasil a imprensa recebe petardos tanto do capitão reformado quanto do PT.
Embora defenda a imprensa livre em seu programa de governo, Bolsonaro ataca aqueles que publicam reportagens críticas. A Folha virou alvo: "Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S.Paulo. Nós ganharemos esta guerra".
Mas a retórica anti-imprensa também foi usada, não raro, por membros do PT, culminado em agressões físicas na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril.
Os dois propõem, ademais, mudar a distribuição de verba publicitária oficial. A ideia está no programa de governo de Haddad; na boca de Bolsonaro, virou ameaça à Folha.
A campanha petista pretende ainda reforçar os meios públicos e rever a regulação para concessões de TV e rádio.
É na política externa, contudo, que PT e chavistas mais convergem: concordam no apoio acrítico a ditaduras em Cuba e na Nicarágua e na defesa de um eixo esquerdista regional que ainda conta com a Bolívia (no passado, incluiu com Argentina e no Equador).
Já Bolsonaro quer estreitar laços com os governos de direita e centro-direita no Chile, no Paraguai e na Argentina.
Integrantes do PT, como o assessor Marco Aurélio Garcia (1941-2017), lançaram mão ainda da retórica antiamericana explorada pelo chavismo.
Uma vez no governo, porém, o partido manteve relações próximas com os EUA e buscou destaque em organismos e pactos internacionais —bem diferente do isolacionismo chavista, avesso a conversar com quem discorda.
Ligar chavismo a esquerda teve efeitos mistos nas Américas
O discurso do “não nos tornemos uma Venezuela” começou a aparecer na região liderado pelo principal arquirrival de Chávez, o ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, embora este tenha mudado a lei para aprovar sua reeleição e tentado modificá-la outras duas vezes para conseguir um terceiro mandato.
Em 2014, ele tentou colar o termo castrochavismo —junção dos regimes de Cuba e da Venezuela— a seu ex-pupilo e desafeto, Juan Manuel Santos por começar a negociar com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Isso não impediu a reeleição de Santos. A tática voltaria a ser usada, mas com sucesso, no plebiscito dos acordos de paz com as Farc, em 2016, quando venceu o não, e na eleição presidencial deste ano.
Outro pupilo de Uribe, Iván Duque venceu atribuindo a pecha de castrochavista ao esquerdista Gustavo Petro, que elogiou Chávez no passado, mas havia chamado de ditadura o regime de Maduro.
Por outro lado, as associações feitas por adversários com Caracas não impediram a vitória de Andrés Manuel López Obrador no México —ele venceu com 53% dos votos, recorde na história recente— e de Lenín Moreno no Equador.
A ligação com Caracas também foi usada na semana passada pelo presidente americano, Donald Trump. “Ele nunca terá permissão para transformar o Texas em uma Venezuela”, disse sobre Beto O’Rourke, candidato democrata ao Senado no Texas.
Execrado por Bolsonaro, que o liga ao PT, chavismo também tem pontos em comum com capitão
Isto é chavismo: Criação de nova Constituição
Bolsonaro: Foi proposta pelo vice, Hamilton Mourão, mas o candidato o desautorizou
Haddad e o PT: Estava no programa de governo do PT e foi retirada
Isto é chavismo: Aumento do número de juízes da Suprema Corte para ter maioria
Bolsonaro: Chegou a ser proposto pelo candidato, que recuou
Haddad e o PT: Não, mas propôs mandatos para juízes
Isto é chavismo: Uso insistente do patriotismo em discurso
Bolsonaro: Sim
Haddad e o PT: Não
Isto é chavismo: Militares em cargos-chave do governo (além de Defesa)
Bolsonaro: Sim, ao menos no Ministério da Infraestrutura
Haddad e o PT: Não
Isto é chavismo: Prisão de opositores
Bolsonaro: No último domingo, ameaçou prender Haddad e Lindbergh Farias, que não foram condenados; falou também em setembro em "metralhar a petralhada"
Haddad e o PT: Não
Isto é chavismo: Apoio a regimes ditatoriais em Cuba e Nicarágua
Bolsonaro: Não —Bolsonaro rejeita as ditaduras de esquerda
Haddad e o PT: Sim. Apesar das ressalvas de Haddad a "governantes autocráticos", o PT mantém seu apoio
Isto é chavismo: Cerceamento da imprensa
Bolsonaro: Ameaçou restringir verba publicitária e pede um futuro "sem Folha"
Haddad e o PT: Propõe rever verbas publicitárias e a regulação de concessões; o PT é crítico à Globo
Isto é chavismo: Retaguarda jurídica para policiais que matam
Bolsonaro: Sim
Haddad e o PT: Não
Isto é chavismo: Exortação de milícias
Bolsonaro: Sim, em discurso em plenária em 2008
Haddad e o PT: Não
Isto é chavismo: Combate/repressão ao ativismo social e à oposição
Bolsonaro: Sim, disse em campanha que acabará com a esquerda e com "ativismos"
Haddad e o PT: Não, mas membros do partido já reagiram de forma violenta a oponentes
Isto é chavismo: Estatismo econômico
Bolsonaro: Incerto. Escolheu um ministro liberal, mas se opõe a privatizações e votou para expandir gasto público. Promete rever acordos comerciais
Haddad e o PT: É contrário a novas privatizações, mas não propõe rever o que já foi feito; defende expandir o gasto público
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