A regente
Muriel Waldman ficava muito decepcionada quando, nos concertos,
percebia a ausência de jovens
Executada num teatro de Alexandria, no Egito, a ópera
Aída iria influenciar para sempre a vida de uma menina,
de seis anos, que estava na platéia. "Desde então,
a música me arrebatou, tamanha foi a força do
que vi e ouvi. Voltei para casa a estudar piano", lembra-se
Muriel Waldman, filha de pai francês e de mãe
italiana. Os efeitos daquele espetáculo se propagam
agora, 54 anos depois, em escolas públicas de São
Paulo, numa experiência batizada de "Quem tem medo
da música clássica?".
Por razões políticas, a família fugiu
do Egito e veio para São Paulo. Mas Muriel ainda teria
de pular obstáculos até se dedicar integralmente
à música. Seguiu o conselho dos pais: na década
de 70, graduou-se em física pela USP e, durante 15
anos, deu aula. "Meus pais achavam que o futuro estava
na ciência."
Mas Muriel estava convencida de que seu futuro estava na
música. Voltou a estudar, desta vez para se formar
maestrina. Em 2005, concluiu seu mestrado na USP; já
estava, então, rumando aos 60 anos de idade. Transformou-se
em regente da Orquestra Laetare e dos corais Catincorum Jubilum
e Vox Aeterna.
Mesmo que as apresentações fossem boas, ela
se incomodava com a faixa etária da platéia.
Muriel ficava muito decepcionada quando, nos concertos, percebia
a ausência de jovens. "Nos meus pesadelos, imaginava
platéias vazias para a música erudita. Por que
o rock é tão mais atrativo para eles?"
Misturou, então, sua vivência de professora de
física com a habilidade de maestrina e saiu à
procura de apoio para tentar demonstrar, entre crianças
e jovens, o preconceito contra a música erudita.
Conseguiu sensibilizar a Secretaria Estadual da Cultura para
que uma orquestra de 20 integrantes, quatro deles adolescentes,
fizesse aula-espetáculo em escolas públicas
-as apresentações ocorrerão todos os
sábados gratuitamente. "Quero mostrar, com calma,
a beleza das composições." Ilusão?
Talvez. No mínimo um grande desafio.
Não só o desafio de fazer crianças e
adolescentes ouvirem Bach e Mozart no final de semana mas
o de mudar os ouvidos mais acostumados a rock, samba e pagode.
"Se eles se sensibilizarem, provavelmente estarão
mais abertos a uma sala de concerto", aposta.
A aposta de Muriel tem raízes naquele dia em que o
seu pai a levou para ver a ópera em Alexandria, quando
ela nunca mais foi a mesma -e passou a acreditar que as crianças
seriam encantáveis pela música erudita.
PS - Neste final de semana, durante a Virada Cultural, o
barracão da escola de samba Vai-Vai, no Bexiga, talvez
sirva como um modelo de fazer jovens gostarem de música
erudita. A bateria da Vai-Vai executará Bach e Beethoven
acompanhada da Orquestra Bachiana, regida por João
Carlos Martins. Se o sambista não vai à sala
de concerto, a sala de concerto vai à escola de samba.
Veja Muriel regendo clássicos de Mozart:
http://www.youtube.com/watch?v=zKrDOMHjQIY
http://www.youtube.com/watch?v=hDQnXfwYU08
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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