Ninguém
poderia imaginar que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira,
iria surpreender todo o país
EM 2005, a Faap decidiu adotar um município para ensinar-lhe
técnicas de gestão, o que, além de ajudá-lo
a se desenvolver, serviria de laboratório acadêmico.
Procurou-se o que havia de mais pobre em São Paulo
para que o desafio fosse maior.
Encontraram um lugar em que a maioria das casas não
tinha banheiro, o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) paulista.
Ninguém poderia imaginar, rigorosamente ninguém,
que aquela cidade, perdida no
Vale do Ribeira, iria, na semana passada, surpreender todo
o país. Entre várias tarefas, como melhorar
o saneamento básico, criar um plano diretor e estimular
a vocação econômica, os universitários
introduziram o xadrez no currículo, ensinaram informática
para professores e alunos, distribuíram computadores
conectados à internet.
Nesta semana, a escola está recebendo lousas digitais;
o giz, portanto, está prestes a ser aposentado. Com
pouco mais de 4.000 habitantes, Barra do Chapéu entrou,
na semana passada, na história, por ser o campeão
da quarta série no ranking de qualidade de ensino,
elaborado pelo Ministério da Educação.
Para chegar à nota média deles, o Brasil terá
de aguardar pelo menos mais 20 anos. Isso se tudo o que foi
proposto pelo plano educacional do governo federal der certo.
Os alunos e professores da Faap foram para lá ensinar,
mas aprenderam uma lição -assim como todo o
país.
Como a primeira ação da Faap ocorreu em 2005,
não se pode atribuir-lhe a maior responsabilidade pelos
resultados de Barra do Chapéu. Mas a receptividade
com que aceitaram a colaboração externa e o
empenho de implementar mudanças dão as pistas
do sucesso da cidade.
A disposição da comunidade para o estudo está
simbolizada no vice-prefeito de Barra do Chapéu, Gentil
Alves, que, neste momento, está cursando a sétima
série do ensino fundamental. Ele tem 67 anos e, orgulhoso,
vai à escola todas as noites.
A receita deles é infalível em qualquer canto
do planeta.
Se o aluno falta, a diretora manda chamar os pais; se eles
não comparecerem, aciona-se o Conselho Tutelar. Considera-se
a família um elemento essencial no processo de aprendizagem.
Os estudantes não são números numa sala
superlotada, mas indivíduos. São 25 alunos por
classe. São feitas avaliações de cada
estudante a cada 15 dias. Para os que não aprendem,
são oferecidos reforço fora do horário
regular e um serviço diário para tirar dúvidas.
Com isso, as repetições de série ocorrem
apenas em casos excepcionais.
Há investimento especial em leitura e escrita, base
para os demais aprendizados. Impede-se, assim, a bola de neve.
Como não se aprende a ler direito, as carências
se avolumam sem parar.
Os professores não são papagaios de apostilas
escolares, mas produtores de conteúdo. Sentem-se valorizados,
inclusive no bolso. Eles recebem em média R$ 980 por
mês; mais que o dobro do que ganham os trabalhadores
locais.
Com essas ações, cria-se um círculo
virtuoso. Os governantes valorizam as escolas, os professores
se sentem estimulados e são respeitados pela comunidade.
Compreensível que, neste ambiente, um professor local
não se considere ameaçado - pelo contrário-,
com a interferência de forasteiros universitários.
E até se disponha a jogar fora o giz e usar um smartboard,
permitindo a ampliação da tela do computador
para que os alunos possam juntos navegar na internet -isso
numa cidade em que quase todas as ruas são de terra.
PS- Vê-se, nesse exemplo, como universitários
conseguem ajudar concretamente o país. Já que
parece impossível cobrar mensalidade no ensino superior
público, deveria ser obrigatório que os estudantes
pagassem de volta com serviços comunitários.
O que ajudaria também em sua empregabilidade.
Vale a pena conhecer a experiência de Minas Gerais,
onde alunos de dez universidades estão dando aulas,
fora do horário regular, para estudantes da rede pública;
usam-se jogos e brincadeiras, muitas vezes em parques.
O projeto começou neste ano e, apesar do pouco tempo,
já se percebem resultados. Coloquei no
site as experiências dos alunos da Faap e das universidades
mineiras.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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