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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
06/02/2006
Como seria a despedida de Serra

Caso José Serra resolva disputar a Presidência da República, uma de suas explicações para deixar tão precocemente o cargo de prefeito certamente estará baseada nos números de uma pesquisa mostrando o aumento do número de miseráveis na cidade de São Paulo.

A partir de dados do IBGE, um estudo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) mostrou que, em apenas um ano, de 2003 a 2004, a quantidade de pobres da região metropolitana de São Paulo cresceu em 241 mil pessoas -o que daria para lotar quatro estádios do Morumbi. Com esse acréscimo, provocado pelo desemprego e pela perda de renda dos trabalhadores, haveria, nessa região, 7,5 milhões de pobres, numa população de 18 milhões de habitantes. Apenas na cidade de São Paulo, a pobreza atingiria cerca de 3,5 milhões de pessoas, das quais pelo menos a metade seria de indigentes; nenhuma cidade das Américas tem tantos pobres juntos. São dados que se refletem, por exemplo, na informação, divulgada na semana passada, de que ocorrem mensalmente cerca de cem seqüestros relâmpagos na cidade.

Tais fatos serviriam para justificar a idéia de que um Serra presidente conseguiria, neste momento, fazer mais pela qualidade de vida da cidade à qual se comprometeu governar até o fim do mandato do que um Serra apenas prefeito. São Paulo seria um barril de pólvora -e Serra quer se apresentar como o mais habilitado a apagar o pavio antes que seja tarde demais.

Serra sabe que tem pela frente uma série de dificuldades, a começar do enfrentamento com Geraldo Alckmin. Se o prefeito sair candidato, não será prudente ter um governador tão popular distante ou, nos bastidores, fazendo-lhe resistência na campanha. Longe das câmeras e dos palanques, o clima entre os dois não está bom; aliás, caminha para o péssimo. Num momento de irritação, o governador chegou a insinuar que estaria disposto a bater chapa numa convenção parti- dária.

A pesquisa DataFolha revela hoje que Lula, recuperando alguns pontos perdidos em seu prestígio, nem de longe está morto, como se dizia até pouco tempo atrás. São abundantes os sinais de que sua candidatura vem, neste momento, ganhando fôlego, impulsionada por fatos como aumento do salário mínimo, ampliação do Bolsa-Família, quitação antecipada da dívida com o FMI, redução da taxa de desemprego, auto-suficiência em petróleo e redução da desigualdade social. Há ainda um bom estoque de jogadas disponíveis até o dia da eleição.

Na galeria de dificuldades do prefeito, está o humor do paulistano. Se quiser medir esse humor, veja em meu site o tom dos 180 e-mails que recebi sobre a possibilidade de mudança na prefeitura. O que está em jogo, na verdade, não é o humor provinciano, mas a construção de um discurso capaz de convencer o eleitor de que a promessa quebrada não seria conseqüência de uma ambição pessoal, mas de um projeto de nação. Ele sabe que serão usadas pelos adversários eleitorais as imagens de suas juras de que ficaria até o final do mandato no cargo. O ataque será pior se Marta Suplicy for candidata ao governo de São Paulo, ainda com sede de revanche.

Não basta o prefeito ser o candidato mais forte -e, segundo o DataFolha, esse é seu principal cacife-, é preciso que tenha um discurso para que não seja abatido moralmente pelos adversários.

Serra quer se apresentar como o político brasileiro mais preparado para desmontar as armadilhas que travam um crescimento mais acelerado, sem o qual as regiões metropolitanas -a começar da cidade de São Paulo- não conseguiriam gerar empregos, aumentar os salários, reduzir a violência e ampliar o gasto social. Seria essa, na verdade, a melhor porta de saída contra a miséria, e não os programas de renda mínima.

Diante de conquistas tão grandiosas, inclusive para os paulistanos, ele se apresentaria como compelido, contra a sua vontade, a rasgar o documento que assinou de que cumpriria seu mandato municipal. Nesse contexto de salvação do crescimento, as restrições à sua candidatura não passariam, assim, de uma visão provinciana, sem levar em conta o Brasil. Se o argumento vai convencer, é outra discussão. Uma coisa é certa: se ele sair e vencer, deixará São Paulo. Se der errado, terá vontade, por um bom tempo, de sair de São Paulo.

P.S.: Aquela pesquisa feita pelo Iets ajuda a tornar mais complexa a discussão sobre a miséria. O resultado é o seguinte. O grosso da miséria brasileira, em números absolutos, não está no Nordeste, mas no Sudeste, especialmente em suas regiões metropolitanas. Políticas sociais que não coloquem a questão metropolitana no topo da agenda serão falhas e estimularão ainda mais o desperdício de dinheiro público. Daí que parte de nossa solução depende tão ou mais de um conjunto de bons prefeitos do que de um bom presidente. Isso não é provinciano, mas apostar na construção de um país de baixo para cima, no qual a cidade é o epicentro das políticas públicas.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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