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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
12/03/2007
Aborto reduz o crime?

Uma criança em ambiente desestruturado, sem atenção familiar, está mais próxima da marginalidade

Sonhar é um eficiente método contraceptivo para jovens -é o que está demonstrando uma experiência realizada com 10.896 alunos de 24 escolas em 14 cidades paulistas.
Desde 2004, esses alunos passaram por oficinas de prevenção da gravidez precoce, nas quais são convidados, por meio de jogos, a projetar seu futuro profissional. A partir daí, eles devem imaginar como seria esse projeto caso tivessem um filho precocemente. Numa das simulações, as adolescentes colocam um balão debaixo da camisa para que se produza a sensação de gravidez, enquanto, de olhos fechados, entregam-se aos pensamentos.

Em outras oficinas, são dadas aulas sobre o funcionamento do corpo humano e dos métodos anticoncepcionais, além de dicas sobre como adquiri-los na rede pública de saúde.

Neste início de ano, o Instituto Kaplan, responsável pelo projeto, batizado de Vale Sonhar -todas as escolas estão no Vale do Ribeira-, conseguiu medir os resultados da experiência. Verificou-se uma redução de 91% da incidência de gravidez entre aquelas estudantes.

"O que fizemos foi fazê-las perceber o que perderiam se fossem mães fora do tempo", conta a sexóloga Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, formada em saúde pública pela USP e especializada em psicodrama.

A questão da gravidez foi ressaltada, na semana passada, quando se comemorou o Dia Internacional da Mulher, porque o presidente Lula atacou o conservadorismo da Igreja Católica e a "hipocrisia" das famílias ao defender mais distribuição de métodos contraceptivos. O governador José Serra disse que iria dar mais dinheiro para aumentar o número de mulheres com acesso a pílulas anticoncepcionais, camisinhas e até a cirurgias de esterilização.

Ninguém provocou tanta polêmica como o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho, que defendeu o aborto e o apontou como um dos recursos para reduzir a criminalidade. Ele se baseou em pesquisas mostrando que, em cidades americanas mais permissivas ao aborto, o crime teria caído com mais intensidade.

Estamos falando, no Brasil, de estimadas 900 mil mulheres que, a cada ano, se tornam mães precocemente, muitas das quais deixam a escola e se vêem com dificuldade de obter um bom emprego. Há relatórios bem detalhados mostrando uma vinculação direta entre evasão escolar e gravidez precoce.

Provavelmente, essa questão está mesmo relacionada à criminalidade. Uma criança nesse ambiente desestruturado, sem atenção familiar, está mais próxima da marginalidade. Até porque mora em áreas com baixa presença do poder público, escasso policiamento, e nas quais não raro se valoriza ou se teme o crime organizado.

Sair distribuindo camisinhas e pílulas anticoncepcionais ou facilitando o aborto se combate apenas o efeito e faz parte daquele rol de soluções fáceis para assuntos complexos. É o que mostra a experiência do Instituto Kaplan.

Uma das maiores especialistas brasileiras em prevenção de gravidez, Albertina Duarte coletou centenas de relatos de adolescentes que, apesar de informadas e dispondo de métodos contraceptivos, não usavam camisinha. Ajudou a criar, então, centros de saúde para adolescentes em que se trabalha a auto-estima -às vezes até aprendendo a escrever poesias- e se montavam projetos de vida, desenvolvendo um olhar para o futuro. A exemplo do que testemunhou Maria Helena Vilela, logo apareceriam resultados positivos.

Um dado relevante é que tanto os freqüentadores daqueles centros de saúde para adolescentes como os das oficinas ministradas por professores capacitados pelo Instituto Kaplan estavam na escola, muitos deles no ensino médio. "Alguém que chegou a esse nível de escolaridade está mais aberto a projetar um futuro e desenvolver um sonho profissional", acredita Maria Helena.

De acordo com o IBGE, as mulheres mais pobres e menos educadas têm, em média, cinco filhos; entre as mais ricas e de maior escolaridade, a taxa é inferior a dois filhos por mãe.

O poder público não deve deixar de facilitar o acesso a preservativos e a pílulas. Tampouco deixar de oferecer a interrupção da gravidez, uma forma dolorida, indesejável, que consiste num último recurso. O que se está vendo é que, assim como países, os indivíduos precisam acreditar em sonhos para prosperar -o resto é tão paliativo como imaginar que exterminando futuros pobres, potencialmente futuros criminosos, estaremos numa sociedade mais segura.



PS - É incrível que, na Semana Internacional da Mulher, não tenha ocorrido nenhuma defesa de que, sem a ampliação da rede de creches, especialmente entre os mais pobres, teremos ainda mais dificuldade de interromper, no nascedouro, o ciclo vicioso da pobreza.

Incrível porque há toneladas de estudos, alguns feitos por economistas, mostrando que, quanto mais cedo se educa uma criança, menor se torna sua propensão à marginalidade e à criminalidade.

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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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