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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
23/10/2006
Tudo azul

Como um lugar, numa das regiões mais violentas de São Paulo, consegue ostentar taxa de zero assassinato

Nenhum morador do distrito do Alto de Pinheiros foi assassinado no semestre passado, o que faz dali um oásis de segurança na cidade de São Paulo. É uma região de alto poder aquisitivo, tem uma distância razoável de favelas e dispõe de policiamento ostensivo público e privado. Algumas de suas ruas foram fechadas para estranhos, protegidas por guaritas. Nos finais da tarde, jovens se reúnem na praça do Pôr-do-Sol: cantam, namoram ou ficam em silêncio contemplativo. Essa paisagem dá ao bairro um ar de acolhimento provinciano.

Compreensível que um bairro desses (onde, aliás, moram José Serra e seu oponente derrotado na última eleição, Aloizio Mercadante) seja relativamente seguro. Mais difícil é explicar como um lugar, numa das regiões mais violentas da cidade e cercado de várias favelas, consegue ostentar a mesma taxa de zero assassinato do Alto de Pinheiros.

É o caso da favela Monte Azul, vizinha de áreas que já figuraram não só entre as mais selvagens da cidade ou do Brasil mas também do mundo. No início dos anos 90, o policial Reinaldo Correa estava acostumado a investigar casos de assassinatos cometidos por e contra moradores da favela. "Isso acabou, e faz tempo que não sei de nenhum assassinato. E nem de casos de violência grave", diz ele, hoje responsável geral por todas as delegacias da zona sul. As estatísticas oficiais ainda revelam baixa incidência de furtos e roubos.

O que acontece ali auxilia o eleitor a não se deixar enganar por candidatos a presidente e a governador.

A eficácia das propostas de educação, assistência social, saúde e segurança dos candidatos a esses cargos depende das articulações de baixo para cima. O que, quase nunca, está explicitado nos programas de campanha, pois o candidato, para manter a força da promessa, quer mostrar mais poder do que terá. Daí os planos parecerem generalidades.

Pegue-se o caso do Bolsa Família: sua eficiência está atrelada, em larga medida, aos programas complementares de educação e geração de renda que existirem no plano micro. Só assim o beneficiário não ficará viciado no dinheiro oficial e terá como ganhar autonomia.

Já está mais que provado que a qualidade da escola pública está associada, além de à excelência dos professores, ao envolvimento dos pais e da atenção à comunidade.
O que, afinal, acontece na Monte Azul?

Em 1979, professores ligados à pedagogia Waldorf começaram a desenhar na favela uma rede de proteção. Abriram berçário, creche, pré-escola de período integral, com alimentação e assistência médica.

Criou-se um centro da juventude, com biblioteca, para ajudar nas pesquisas e lições de casa. Os jovens têm acesso a teatro, música, informática, capoeira, terapia e pintura. Lançou-se, depois, uma série de cursos profissionalizantes em informática e eletrônica e toda uma rede de aprendizado e negócios ligados à reciclagem dos mais diversos materiais.

Surgiram um ambulatório voltado especialmente à medicina preventiva, com princípios da antroposofia, e um centro cultural. Ensinaram-se aos moradores noções de saneamento, construção civil e limpeza de córregos -todas as melhorias são feitas em mutirões. "Nessas circunstâncias, o policiamento comunitário, no qual há a confiança e proximidade entre indivíduo e policial, funciona muito bem", diz Reinaldo.

A melhor medida da segurança está num só fato inusitado. Alunos de classe média alta da escola Waldorf passam, uma vez por ano, uma semana dormindo na Monte Azul, para ter vivência com a diversidade.

Não há segredo nessa experiência. Compartilhar o conhecimento, seja para a saúde, a cultura e o esporte, seja para o desenvolvimento escolar e profissional, cria uma rede de confiança entre as pessoas, fazendo-as ter perspectiva. Todos se sentem, enfim, respeitados. Esse "artesanato" só se realiza, de fato, a partir de pequenos núcleos bem gerenciados.

Vi esse fenômeno ocorrer em vários bairros de Nova York, o que contribuiu para que seu índice de homicídios voltasse ao nível de 1963. É exatamente o que acabo de testemunhar em Bogotá e Medellín, duas das mais violentas cidades do mundo, onde a taxa de homicídios caiu, respectivamente, 80% e 90%.

Nova York, Bogotá, Medellín e Monte Azul prestam-se como um guia para medir a seriedade das propostas sociais de um candidato. Se não estiver previsto como o dinheiro que sai do presidente e do governador vai ser administrado localmente, a chance de desperdício é enorme, para não dizer inevitável.

Redução da violência na comunidade Monte Azul (SP) e na Colômbia
Violência cai na cidade de São Paulo

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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