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27/10/2003
Paraisópolis toca a vida para resistir ao crime

Foi um domingo como tantos outros em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade, incrustada entre condomínios de luxo e mansões do Morumbi, na zona sul. O campeonato anual de várzea, o 19.º realizado na comunidade, teve mais uma rodada disputada. As crianças e jovens, que procuram onde dá um canto para brincar, continuaram sua busca. Os bailes de forró estavam todos confirmados. A resistência dos moradores às ameaças da semana passada se mostra também na manutenção da rotina e na alegria de tocar a vida do jeito que dá.

Os garotos brincando na pequena quadra da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Paulo Freire, uma das escolas de latinha ainda presentes na cidade, são o maior exemplo disso. Acostumados a certas conquistas da Paraisópolis, como o atendimento hospitalar, e conscientes de que ainda há muito a fazer, nenhum deles reclama da falta de praças ou áreas de lazer maiores dentro do complexo de casas de alvenaria, uma das áreas mais adensadas da cidade.

Para eles, o espaço ali é suficiente para brincar de “olezinho”: um fica com a bola e vai driblando os demais. “O que falta aqui é piscina. Para brincar de pega-pega, a gente vai lá na escola (a Homero Santos, do governo estadual)”, contou Adriano, um dos cinco garotos que estavam ontem à tarde na Paulo Freire.

Várzea
Aos domingos, o campo do Palmeirinha, o primeiro time de várzea da Paraisópolis, é reservado para o campeonato dos adultos. “O dia das crianças é o sábado, das 9 da manhã à 1 da tarde”, explicou Chiquinho do Palmeirinha, o “dono” do time e responsável pelo torneio. Por isso, os garotos da comunidade procuram as quadras das escolas que abrem nos fins de semana, ou ficam à beira do campo, esperando o intervalo entre os jogos para “bater uma bolinha”.

Na rodada de ontem, a única anormalidade foi a vitória por W.O. de um dos times. O adversário não foi ao campo. De resto, tudo como ocorre em todos os outros domingos, há quase duas décadas: os veteranos fizeram a partida inicial, às 8h30, e depois metade dos 24 times que disputam o campeonato começou a entrar em campo. “Começa de manhã e vai até umas 5 da tarde”, disse Chiquinho.

“Aqui é o nosso lazer, a nossa diversão. Mais do que isso: é onde a comunidade se une, onde as pessoas se aproximam”, definiu o auxiliar de almoxarifado Antonio Geraldo dos Santos, outro veterano do time e da Paraisópolis. Ele mora lá há 32 anos, pouco mais do que o amigo Odair Venâncio, que está há três décadas. Na hora de dizer se gostam ou não de viver na comunidade, nenhum deles titubeia. Respondem quase juntos. “Nasci aqui, uai”, disse Venancio. “Tenho o maior orgulho de viver aqui”, completou Santos.

“Clima”
A dona de casa Angela Gonçalves dos Santos também é feliz com a casa que ela e o marido ergueram aos poucos, em 20 anos de Paraisópolis. Mas ela ficou meio “ressabiada” – “o clima não tá muito bom esses dias” – com as histórias da semana anterior, principalmente depois da chacina de segunda-feira passada.

“Às vezes, saio para passear, mas é pouco. Meu caminho mesmo é de casa para a igreja e da igreja para casa”, explicou. “À noite fico sossegada no meu canto, em casa. Mas aqui é um lugar bom, sim.”

Um dos motivos para os moradores gostarem tanto da Paraisópolis e lutarem para que a comunidade não perca o que conquistou são os trabalhos sociais. No fim de semana, o Programa Einstein na Comunidade Paraisópolis distribuiu senhas para as famílias das 10 mil crianças matriculadas no ambulatório. Em dezembro, elas vão ganhar uma cesta de natal com presentes para os pequenos e alimentos. “O pessoal trabalha muito durante a semana, por isso fazemos esses eventos e campanhas aos sábados e domingos”, salientou o administrador do ambulatório, Marcelo dos Santos.

Para muita gente, o domingo também é dia de trabalho. Várias lojas e pequenos comércios da Paraisópolis seguem abertos durante a tarde. O Salão Transformação tem fila na porta. “Se a gente não pára, fica até as 8 da noite”, disse o cabeleireiro Fabio Soares dos Santos.

Na cadeira, o cliente João Ferreira deixava o cabelo ajeitado para o “forrozinho”. “É a diversão do fim de semana.” Os bailes, que no domingo começam cedo, mas correm noite afora, são mais um sinal de que Paraisópolis não vai deixar de ser uma comunidade única na cidade tão facilmente.


IURI PITTA
Do jornal O Estado de São Paulo

 
 
 

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