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Na Aldeia do Futuro, organização
não-governamental, instalada no bairro de Americanópolis,
zona Sul de São Paulo, a palavra de ordem é
protagonismo, e os jovens são os atores principais
dessa ação. A idéia é desenvolver
potencialidades e dar oportunidade a eles a fim de que possam
mudar sua realidade, tornando-se agentes de seu próprio
destino. Vanessa Aparecida dos Santos, 20 anos, é uma
dessas jovens. Ela começou a participar das atividades
há quatro anos a convite de uma amiga e, desde então,
não parou mais de se envolver nos trabalhos. Tanto
que, desde o ano passado, ela se tornou mais do que uma participante.
Ela agora é também uma educadora.
Hoje, a jovem acompanha os alunos
do curso de mediadores de leitura e contadores de história.
Ela afirma que enfrenta muitas dificuldades, já que
a leitura sempre foi vista pelos adolescentes como algo chato,
devido à exigência das escolas. Por isso, o desafio
é encontrar formas diferentes de ensinar e mostrar
o quanto a leitura pode ser interessante. Além das
atividades na Aldeia, Vanessa faz um trabalho voluntário
contando histórias para crianças de um orfanato
do bairro. "É algo muito prazeroso porque quando
você lê para alguém recebe muito carinho
em troca, a pessoa se sente mais acolhida. Além de
estar educando, há um sentimento envolvido. É
muito bom", comenta.
Além de Vanessa, outros sete
jovens que foram alunos da Aldeia também estão
atuando como instrutores, orientando os 600 jovens que passam
todos os meses pela entidade. "Nós acreditamos
que eles são capazes. Além disso, eles cresceram
conosco, conhecem a realidade. Porque então não
investir nestes talentos?", pergunta Genilva de Sousa
Borges, diretora pedagógica da entidade. Ela ressalta
que é com essa visão que a organização
vem atuando há 10 anos na região. A entidade
nasceu da intenção de um grupo de empresários
que decidiu investir na formação dos jovens.
A preocupação surgiu porque o bairro, inserido
numa das regiões da capital com um dos piores IDH (Índice
de Desenvolvimento Humano), conta com um número insuficiente
de escolas e poucos espaços de lazer e cultura, além
de registrar muitos casos de violência e alto desemprego,
o que demonstra um grande grau de vulnerabilidade social.
"Se você entrar
realmente nas vielas e becos que existem por aqui, você
vai perceber um outro lado da cidade. Esse é o lado
de horror. E tudo isso, ao invés de melhorar nestes
anos que estamos aqui, foi se agravando", critica a diretora.
No início, a organização oferecia cursos
profissionalizantes como, por exemplo, de pedreiro, construção
civil, encanador, entre outros, com a proposta de tirar os
jovens da rua. No entanto, a organização buscou
se aperfeiçoar ao longo destes anos seguindo as mudanças
sociais a fim de oferecer novidades para que os jovens pudessem
não somente se preparar para entrar no mercado de trabalho,
mas que tivessem também uma visão sobre seus
direitos e deveres, tornando-se assim cidadãos ativos
na sociedade, e, principalmente, na sua comunidade. "Dizemos
que trabalhamos com os pés no presente e os olhos no
futuro", destaca Genilva.
Hoje, a organização
atua com diversos núcleos, oferecendo atividades diversas
em cada um deles. No Núcleo de Formação,
são oferecidos cursos semestrais de telemarketing,
monitor de recreação, cabeleireiro, informática,
assistente de vendas, vídeo e rádio, montagem
e manutenção de microcomputadores. O curso de
cabeleireiro, por exemplo, é um dos que mais tem inserido
os jovens no mercado de trabalho. Mais de 30% dos alunos formados
em 2004 já estão atuando na área. No
final do ano, principalmente, os salões da região
e até mesmo outros mais reconhecidos, como o Jacques
Janine, vão até a entidade em busca dos jovens
profissionais.
A diretora pedagógica explica
que isso acontece porque os cursos, além de prepararem
os alunos nas habilidades técnicas, também enfocam
outras questões como o mundo do trabalho na contemporaneidade,
gestão da empresa, postura profissional, atendimento
aos clientes, administração de recursos. O interessante
é que os alunos atuam ainda na sua comunidade indo
às creches ou aos asilos da região oferecendo
cortes de cabelo, manicure e outros serviços. O mesmo
acontece com os estudantes do curso de recreação,
que realizam atividades aos fins de semana no projeto Rua
do Lazer, na favela de Vila Clara, ou nas escolas no projeto
Recreio nas Férias.
Os jovens participantes do Núcleo
de Comunicação também estão em
plena atividade. Os 32 alunos participam de aulas de rádio,
vídeo, desenvolvimento de comerciais, administração
de uma produtora, artes, história do cinema, fotografia.
Atualmente, os jovens já realizam trabalhos, como a
produção de vídeos, para outras entidades
e empresas. Além disso, os alunos são responsáveis
pela produção de um dos programas de maior audiência
da TV Comunitária, transmitido por operadoras de TV
a cabo, o "Juventude e Trabalho". No programa, eles
discutem problemas da região, além de temas
do universo dos jovens, como a questão da pichação.
Hoje, eles estão produzindo
um especial sobre ditadura. Além de realizarem todas
as pesquisas sobre o assunto, os jovens visitam locais relacionados
ao tema. A atividade atrai muito a atenção dos
adolescentes do projeto. Anderson Pereira da Silva, 20 anos,
destaca que, com o vídeo, fica mais fácil para
o jovem mostrar o que pensa e poder contar histórias
sobre diversos assuntos. Ele, por exemplo, prefere atuar no
programa da TV Comunitária à produção
dos vídeos encomendados, por ter mais liberdade para
criar. Os jovens recebem ainda uma bolsa-auxílio mensal,
além do dinheiro que conseguem com os vídeos
que produzem.
A Aldeia do Futuro conta também
com o Núcleo de Protagonismo, em que os jovens de todas
as atividades multiplicam seus conhecimentos participando
de fóruns locais, reuniões do orçamento
participativo e o conselho da organização. Já
o Núcleo de Orientação fica responsável
por organizar palestras com profissionais sobre temas diversos
- saúde, direitos, orçamento público
-, e o de Cultura e Arte, oferece oficinas de dança,
capoeira, grafite, fotografia, teatro, futebol, entre outros.
Desde 1998, a ONG desenvolve também
o projeto Aldeia de Mulheres, que surgiu da necessidade de
aproximar a família dos jovens atendidos pelo projeto
da organização, a fim de mostrar a importância
das atividades para os adolescentes, que acabavam desistindo,
muitas vezes, pois precisavam cuidar da casa ou até
mesmo realizar pequenos trabalhos para ajudar no sustento
da casa. Com isso, a organização oferece cursos
de pintura em tecido, bordado e artesanato para cerca de 200
mulheres da comunidade.
O projeto promove ainda geração
de renda para 45 mulheres envolvidas ativamente na produção
de produtos sofisticados como bolsas, tapetes, xales, colchas,
almofadas, a partir de técnicas como fuxico, amarradinho,
ondinha. Os produtos hoje são comercializados em diversos
locais, como a Associação Mundaréu, Projeto
Terra, Oca Designer, em diversos estados e no exterior. A
renda arrecadada com a venda dos produtos é revertida
para as alunas e para a compra de material.
Para Kátia Ulbanijo Ribeiro,
30 anos, a participação no Aldeia de Mulheres
foi uma nova oportunidade para aperfeiçoar o seu conhecimento
em técnicas de artesanato e voltar a ativa, já
que estava há um ano desempregada. Ela lembra que,
apesar da dificuldade em trabalhar nesta área, já
que o salário varia de acordo com as vendas, essa é
uma atividade que traz muitos benefícios, principalmente
na qualidade de vida. "O trabalho se torna uma terapia
também. Faz quase um ano que não fico doente,
ao contrário de quando eu era empregada em empresa.
É muito bom", comenta. "Melhor do que eu
ficar em casa lamentando a vida é batalhar. Eu invisto
nisso, tento de todas as formas e participo até de
feiras de artesanato".
Mas, apesar dos bons resultados alcançados
junto aos atendidos - muitos jovens, por exemplo, incentivados
pela organização hoje estão ingressando
em cursos universitários, o que para eles poderia parecer
algo muito distante, - as dificuldades financeiras impedem
que a Aldeia do Futuro amplie seu trabalho. Hoje, há
mais de 1600 jovens na fila de espera. Os recursos encaminhados
pela prefeitura de São Paulo, que representam mais
de 50% da verba para manter as atividades, não chega
à organização há três meses.
Mesmo com as dificuldades, a Aldeia não deixou de oferecer
as atividades, mas a situação se agrava a cada
dia.
"Estamos no limite. Caso
o dinheiro realmente não venha, aí eu não
sei o que faremos. Vamos ter que nos mobilizar com as outras
organizações para buscarmos uma solução",
aponta Genilva. Devido a estes embates, a entidade quer ainda
em 2005, organizar uma área de captação
de recursos para conquistar novas parcerias e também
doações de pessoas físicas, de forma
mais profissional, para que não dependa mais somente
dos recursos públicos.
Serviço :
Aldeia do Futuro
Endereço: rua Jorge Rubens Neiva de Camargo, nº
228, Americanópolis, São Paulo
Telefone: (11) 5562-6860
DANIELE PRÓSPERO
do site setor
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