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infância perdida
22/03/2004
Dobra o número de meninas na Febem

"Fui eu quem quis, ninguém me influenciou", diz a primeira. "Foi pelo dinheiro fácil", afirma a outra. "Gostava de andar na moda", explica a terceira. "Só queria baladas", diz a seguinte.

Nos relatos, não existe o papel de vítimas. Assumem a responsabilidade pelos crimes que cometeram -roubo qualificado e tráfico de drogas são os principais- com uma maturidade que contrasta com a voz fina, tranças e enfeites no cabelo.

São meninas, internas na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo, e fazem parte de um fenômeno preocupante de aumento da participação de garotas na criminalidade e do que pessoas ligadas à área definem como "emancipação feminina mal canalizada".

As estatísticas preocupam e já colocaram setores da Febem em alerta. O número de garotas cumprindo medidas socioeducativas na instituição -internação provisória, internação e semiliberdade- dobrou em relação ao início do novo século.

Eram 289 meninas em fevereiro último -106,4% a mais do que no mesmo mês de 2001. Apesar de ainda serem a maioria, os garotos registraram um aumento de 49,3% nesse mesmo período.

Os registros de jovens que passaram pela Febem -muitos já foram transferidos para o programa de liberdade assistida- também confirmam a tendência.

Em 2003, 809 garotas passaram pela instituição, 34,1% a mais em relação a 2001 -quando esses dados começaram a ser computados pela fundação. Novamente, os meninos registram um índice de crescimento abaixo do das garotas no mesmo período: 23,5%.

Mesmos motivos
Os relatos das meninas não são muito diferentes do que dizem os garotos. "É a mesma lógica do consumo. Boa parte não vive em situação de miserabilidade, mas entra para o crime porque quer tênis importado, roupa da moda", diz Marília Moreira Graciano, diretora do internato da Mooca (zona leste de São Paulo). A unidade de internação abriga meninas com perfil primário e reincidente graves.

Apesar de a Febem não possuir um perfil socioeconômico dos jovens, Marcus Alexandre da Silva, diretor da UIP (Unidade de Internação Provisória) -uma espécie de porta de entrada das meninas na instituição-, também na Mooca, afirma que cresce o número de internas pertencentes à classe média baixa.

Até a liderança no ranking dos crimes mais comuns se repete entre meninos e meninas. Os cinco principais delitos -roubo qualificado, tráfico de drogas, furto, roubo simples e descumprimento de medida socioeducativa- são os mesmos.

A principal diferença, no entanto, está no tráfico de drogas. Ele foi responsável por 19,7% das passagens de meninas pela Febem em 2003. Em relação aos garotos, esse índice foi de 11,8%.

"Para o tráfico, as mulheres têm mais chance de passar despercebidas pela vigilância policial", afirma o delegado Ivaney Cayres de Souza, diretor do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos).

Depoimentos de pessoas ligadas à área e das próprias internas revelam que a participação de meninas no tráfico e em outros crimes não é tão secundária e que a figura da adolescente indefesa que entrou no crime por causa do envolvimento emocional com um bandido é discutível.

"Esse mito tem de ser revisto. Essa influência é uma idéia ultrapassada", afirma Karyna Batista Sposato, diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente). Para ela, a garota também está sujeita às tentações do consumo. "Assim como os meninos, as meninas também querem ter determinados bens."

Emancipação
Segundo Sposato, o aumento do envolvimento dessas jovens no crime também é conseqüência de uma emancipação feminina mal direcionada, principalmente devido à carência de serviços públicos na periferia.

"Espera-se que ela conquiste o seu lugar. Isso causa um impacto na adolescência. Essa emancipação acaba sendo direcionada, infelizmente, para o crime", afirma a pesquisadora.

À Folha internas da Febem não culparam outras pessoas pelos crimes pelos quais foram presas e narraram episódios que em nada lembram meninas indefesas. Participaram de decisões, davam ordens, portavam armas em assaltos, cobravam dívidas de tráfico de droga e até fizeram questão de matar desafetos.

"Já pensou esse potencial dirigido para o canal certo?", questiona Maria Aparecida Tonet, chefe da coordenadoria técnica de atendimento feminino na Febem. "Elas merecem uma chance."


 


GILMAR PENTEADO
da Folha de S. Paulo

   
 
 
 

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