Provocaram
polêmica as críticas de anteontem do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva à pesquisa do IBGE
apontando que a obesidade é um problema mais grave
que a desnutrição entre os brasileiros adultos.
Ontem, o presidente do IBGE, Eduardo Nunes, disse que a pesquisa
é confiável e que o instituto está tranqüilo
quanto aos resultados. Nunes disse, porém, que todos
têm o direito de discordar e expressar opiniões.
Salientou que o trabalho não verificou o estado da
fome no Brasil, tampouco mediu a percepção subjetiva
do que seria passar fome.
"Os números são confiáveis e nós
estamos tranqüilos com relação ao resultado.
O IBGE é uma instituição séria.
E consideramos que todo cidadão tem direito de discordar
dos resultados, principalmente o presidente, pois somos uma
democracia. Cabe a nós ouvir críticas e refletir
sobre elas".
Em entrevista na manhã de ontem para divulgação
do Registro Civil 2003, dois funcionários do setor
de coleta de dados pediram ao coordenador do setor de População
e Indicadores Sociais, Luiz Antônio Pinto de Oliveira,
que defendesse o IBGE. Eles se queixaram do fato de o presidente
ter falado sem saber como a pesquisa foi realizada e sem atinar
para as conseqüências de suas declarações:
"Ele demonstrou desconhecimento completo do IBGE e da
pesquisa", disse um dos funcionários.
"Como é que a gente pode trabalhar?", disse
Alceu Alfredo Matubayas, também funcionário.
"Gostaríamos que houvesse uma posição
do IBGE sobre isso".
Número de visitas
À tarde, o instituto divulgou que foram visitados
48.470 locais, em áreas urbanas e rurais, em todo o
país. Os entrevistadores foram aos domicílios
de julho de 2002 a junho de 2003, cada um por nove dias. Os
entrevistados foram identificados, pesados e avaliados do
ponto de vista nutritivo.
Lula disse que as pessoas “têm vergonha de dizer
que passam fome”. O pesquisador Marcelo Néri,
da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ),
contraria a tese do presidente. Citando perguntas feitas em
pesquisas do IBGE, inclusive a Pesquisa de Orçamento
Familiar, ele diz que o normal é que as pessoas tenham
uma percepção exagerada de sua fome, e não
que tenham vergonha de admitir o problema.
Miseráveis
Criador do Fome Zero, o assessor especial da Presidência,
José Graziano, defendeu o programa e disse que os dados
do IBGE não surpreenderam o governo. Ele explica que
o problema dos pobres é mais de qualidade que de quantidade
na alimentação. O ex-ministro usa dados do próprio
IBGE para mostrar que mais de 44% da população,
com renda per capita menor que um salário mínimo,
consomem menos de 1,9 kcal por dia. E contesta o critério
de comparar peso e altura.
"Essa medida é usada para ver o estado que nos
acostumamos a chamar de fome africana, de pessoas em prolongado
estado de subnutrição. Os nossos pobres têm
uma dieta rica em açúcares e gordura animal,
carne de segunda. Os dados da POF mostram isso: pessoas acima
do peso, mas com alimentação inadequada. Também
é um problema alimentar".
O secretário de Segurança Alimentar e Nutricional
do Ministério do Desenvolvimento Social, José
Giacomo Baccarin, concorda com o ex-ministro. Ele afirma que
o governo trabalhava com dados similares aos da POF.
"Já vínhamos falando em 12% da população
com obesidade e mais de 30% acima do peso. Quando se trata
do combate à fome, se trata no contexto de segurança
alimentar", afirmou Baccarin.
TONI MARQUES
GUSTAVO ALVES
BERNARDO DE LA PEÑA
do jornal O Globo
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