Mais
do que a falta de luz, que foi cortada, o que mais chama atenção
na casa de alvenaria inacabada da família Etchechury,
no bairro Cohab, Zona Norte de Porto Alegre, são as
mais de 700 medalhas e troféus. Estão expostos
em estante, paredes e em pedaços de madeira pendurados
no teto. Ruann, 16, Ioran, 12 e Katalícia, nove anos,
corredores como a mãe Míriam, são os
donos das medalhas. Domingo, os três irmãos estarão
no Parcão, porque apostam no esporte como forma de
ter uma vida melhor.
O início remete a 1997, quando Jorge, pai dos meninos,
fez o primogênito participar da Maratoninha em homenagem
ao avô atleta. O garoto começou a treinar dando
10 voltas em torno da quadra onde mora. Fazia quatro quilômetros
diários. Como o percurso da prova é de três
quilômetros, Jorge utilizou o tempo de um profissional
nos 3.000m com barreiras para orientar o filho.
"Pensei: se um adulto faz este tempo com obstáculos,
o Ruann vai fazer a mesma marca brincando", relembra
o pai, que trabalha com reciclagem.
Ruann ficou em quarto lugar na Maratoninha da sua categoria
naquele ano, porém não parou de praticar. Com
uma carta de recomendação, entrou na Sogipa.
De lá para cá, disputou campeonatos estaduais,
nacionais e sul-americanos. Conheceu lugares que nunca imaginou
e andou de avião. Ano passado, foi o primeiro lugar
geral da Maratoninha.
"Ganhei no dia do aniversário do meu pai. Foi
o presente dele", lembra o atleta, que este ano disputará
a Rústica.
A trajetória do mais velho fez Jorge incentivar os
filhos menores. A mãe Míriam, autônoma,
acompanhou por um tempo as crianças e a família
passou a viver o esporte. Nem as dificuldades financeiras
impediram a prática.
"Muitas vezes saíamos de casa para competir só
com dinheiro para a passagem de ônibus. No outro dia
nem leite tínhamos em casa. Mas nunca desistimos ",
conta Jorge.
Ioran e Katalícia ainda sofreram com problemas de
saúde. O garoto de 12 anos ficou três meses no
hospital por causa de uma doença rara e teve de amputar
o baço. A menina queimou a perna com álcool
ao brincar com uma amiga e ficou seis meses sem correr. Recuperados,
nenhum dos dois planeja o futuro, mas ambos têm a mesma
resposta quando dizem como se divertem:
"Correndo".
Acompanhando o empenho dos filhos, Míriam espera que
todos participem da maior competição esportiva
do mundo.
" O sonho é que eles estejam um dia numa olimpíada",
torce.
GUILHERME FISTER
do Zero Hora
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