Folha Online sinapse  
17/12/2002 - 02h41

Gilson Schwartz: O povo tem fome de saber

GILSON SCHWARTZ
colunista da Folha de S.Paulo

A idéia era maluca e vinha de alguém cheio de responsabilidades e muito dinheiro na mão. Em resumo: pegar uma instituição queimada, com a imagem desgastada por brigas políticas e de efeitos duvidosos nas suas políticas públicas, e colocar seus técnicos e funcionários na rua, para, ao mesmo tempo, causar um choque no público e na própria organização. Nome do monstro: Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

O escritório paulista queria botar o bloco na rua e procurou a maior universidade pública brasileira. Topamos o desafio, com uma condição: o Sebrae não deveria apenas ir para a rua, mas sim abrir-se a novos conceitos e práticas e, de fato, ir "aonde o povo está", não apenas fisicamente, mas ideologicamente.

E não deveria ir sozinho, tinha de ser junto não apenas com a USP mas com as principais instituições paulistas que atuam na democratização da informação e da produção de conhecimento e tecnologia: IPT, Fundação Seade, tucanos do governo estadual junto com petistas da prefeitura paulistana, militantes da inclusão digital, professores, consultores e estudantes.

E assim foi. Criamos uma caravana, que parava em cada local, armava uma quermesse e fazia um show popular, mistura de circo mambembe, teatro besteirol, teleton televisivo, "talk show" e comício. Tudo isso em pleno período eleitoral.

Deu certo. A trupe de mais de 60 pessoas colocou a mochila nas costas, trailers do Sebrae e do IPT caíram na estrada. Fomos à zona leste e à zona sul de São Paulo, à região semi-estagnada de Iguape e ao palco da guerra civil brasileira, o Pontal do Paranapanema.

No Pontal, mais de 450 pessoas se juntaram num galpão para falar de e ouvir sobre tecnologia da informação, gestão do conhecimento, inclusão digital e desenvolvimento local. Empreendedorismo com emancipação. Tecnologia com cidadania. E muitas gargalhadas, sorteios de brindes e, claro, contato com técnicos, informáticos, monitores de infocentros e telecentros.

As platéias eram nitidamente populares, os empreendedores estavam na fronteira da subsistência em muitos casos e o objetivo principal (não morrer de fome) foi redefinido a partir da capacidade de cada um de se comunicar, usar novas tecnologias, interagir com os "doutores" da USP. Ficou claro que o povo brasileiro tem fome, mas tem consciência. Ou seja, tem também muita fome de saber.

Gilson Schwartz, 42, é economista e sociólogo, diretor da Cidade do Conhecimento. Recomenda uma visita ao site do SebraeCidade, em www.sebraecidade.com.br.
E-mail - schwartz@usp.br

Leia colunas anteriores:
- Escolas funcionam como presídios
- Sem confiança não há progresso
- Inteligência coletiva inspira nova ciência
- Internauta inteligente vira psiconauta
- O 'penso, logo existo' não basta

     

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).