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25/05/2004 - 02h52

A cidade que educa

Adriana Küchler
free-lance para a Folha de S.Paulo

Na cidade de Rosario (Argentina), um grupo de escoteiros decidiu fazer uma campanha para que, no Natal de 1999, os pais não dessem brinquedos violentos para os filhos. Os escoteiros conversaram com os professores nas escolas. Depois, vários grupos começaram a colar cartazes nas portas das lojas de brinquedos e a fazer plantão no comércio para estimular os pais a comprar presentes mais educativos. A campanha "Jogar Pela Paz" se espalhou para o rádio, para os bilhetes de ônibus e para mais de 20 cidades da América Latina e da Europa.

Carlos Carrión/Folha Imagem
A educadora argentina Alicia Cabezudo
As cidades que foram atingidas pela campanha iniciada em Rosario participam da Associação Internacional de Cidades Educadoras (www.edcities.bcn.es), reunião de municípios que se comprometeram a transformar locais públicos em espaços educativos para a população, sem excluir faixa etária ou classe social. A iniciativa foi lançada na Espanha, em 1990, durante o 1º Congresso Internacional de Cidades Educadoras.

No começo de abril, a capital paulista foi a 281ª cidade a assinar o termo de compromisso da associação, a chamada Carta de Barcelona. Além de São Paulo, já são oito os municípios brasileiros que podem trocar experiências com esse enfoque: Alvorada (RS), Belo Horizonte (MG), Campo Novo do Parecis (MT), Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MS), Pilar (PB), Piracicaba (SP) e Porto Alegre (RS).

Para ser uma cidade educadora, é preciso ter um governo eleito democraticamente e o compromisso do prefeito e da Câmara Municipal de incentivar novos projetos em educação. Os experimentos mais bem-sucedidos são apresentados anualmente no Congresso Internacional das Cidades Educadoras, que, neste ano, acontecerá de 17 a 20 de novembro, em Gênova (Itália).

A diretora da Rede Latino-Americana de Cidades Educadoras, a argentina Alicia Cabezudo, 54, explicou para o Sinapse um pouco mais sobre essa iniciativa.

Sinapse - O que é uma cidade educadora?
Alicia Cabezudo -
É aquela que converte o seu espaço urbano em uma escola. Imagine uma escola sem paredes e sem teto. Nesse espaço, todos os lugares são salas de aula: rua, parque, praça, praia, rio, favela, shopping e também as escolas e as universidades. Há espaços para a educação formal, em que se aplicam conhecimentos sistematizados, e a informal, em que cabe todo tipo de conhecimento. Ela integra esses tipos de educação, ensinando todos os cidadãos, do bebê ao avô, por toda a vida.

Sinapse - Como isso funciona na prática?
Alicia -
Com projetos do governo local junto com ONGs, universidades, igrejas ou quem queira se unir. Alguns exemplos: a educação ambiental, onde a cidade educadora ensina os cidadãos a não jogar lixo na rua, a cuidar do ambiente. O orçamento participativo também é uma estratégia da cidade educadora, onde a população participa ativamente das decisões do governo. .

Sinapse - Como transformar shoppings e favelas em espaços educadores?
Alicia -
Todos os lugares podem ser educadores. No shopping, dá para fazer apresentações de teatro, de música, de dança. As pessoas param de comprar por um instante e aprendem algo. A favela é vista como um espaço feio, mas nela podem ser trabalhados valores positivos, como a amizade e também a solidariedade.

Sinapse - Qual é, então, a diferença entre uma cidade educadora e uma cidade que investe em educação?
Alicia -
A diferença é que, participando da associação, o município entra em contato com outras cidades educadoras. Pode participar de projetos comuns, visitar uma cidade para estudar os seus programas ou convidar outro membro para explicar seus projetos. É uma rede solidária.

Sinapse - Como são desenvolvidos os projetos comuns entre vários países?
Alicia -
Um exemplo é o "Minha Cidade e o Mundo", um programa em que crianças e professores de escolas de diferentes países trocam correspondência. Nós fazemos o contato entre eles. As crianças são incentivadas a discutir o que têm em comum com as de outros países e o que é diferente. Crianças de escolas públicas, que nunca tiveram contato com o exterior, discutem costumes e tradições. E, muitas vezes, alunos e professores se visitam. Já fizemos esse intercâmbio entre Turim (Itália) e Buenos Aires (Argentina).

Sinapse - Quem é o responsável por coordenar o trabalho em cada cidade educadora?
Alicia -
Primeiro, o prefeito; depois, a Câmara Municipal. O prefeito nomeia um responsável, que geralmente é o secretário da Educação. Mas não precisa ser. Na cidade educadora, todos os secretários são secretários da Educação. O secretário de Planejamento deve planejar a cidade com espaços verdes, com espaços públicos para pessoas de todas as idades e com acesso para deficientes. Todos eles, sejam da Saúde ou do Desenvolvimento Social, devem se preocupar com a educação. E o secretário da Educação não se preocupa só com escolas. Deve olhar também para parques, praças e praias.

Sinapse - Qual é sua avaliação das cidades educadoras brasileiras?
Alicia -
No Brasil, já existem vários programas de educação cidadã e outros de preservação do patrimônio arquitetônico, que também é uma preocupação das cidades educadoras. Agora, queremos que São Paulo se torne a coordenadora das cidades educadoras no país e convide mais participantes.

     

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