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barbara gancia
O perigo mora ao lado
Seria ineficaz procurar um psicanalista para tentar resolver minha obscena gordura abdominal. "Veja, Barbara, seu problema teve origem na hora em que lhe foi reprimido o seio materno"... Não ia dar certo. Melhor resolver na base de um inodoro e incolor combinadão endocrinologista/passeador de velhas, não?
A terapia da fala é sensacional, ninguém pode deixar de satisfazer seus desejos e todo mundo tem o dever de se conhecer melhor.
Eu não consigo dizer não para mim e quero desvendar meus meandros todos. Mas, uma vez instalada a dependência química no organismo, a coisa muda de figura.
Quando começo a falar de meus problemas com o álcool na minha sessão, a terapeuta é taxativa: "Aqui não, desse assunto você trata lá no seu grupo de autoajuda."
Alcoolismo e dependência de drogas são doenças sociais, ou seja, adoecem também quem está ao redor do dependente. Por este motivo, irmandades como os Alcoólicos Anônimos e os Narcóticos Anônimos preveem locais específicos (sempre próximos das salas em que ocorrem as reuniões dos dependentes) para tratar também (exemplos) a mãe facilitadora e a mulher codependente.
Por algum mistério, no Brasil, pessoal prefere recorrer ao psiquiatra que medica pesado, ao hepatologista, ao infectologista ou seja a quem for antes de optar pela via mais indicada para tratar a dependência. Vai entender. E os próprios médicos não divulgam os grupos de autoajuda com a seriedade que deveriam. Muitas vezes, mal conhecem o trabalho que é feito. A impressão é que contrapõem os AA ao grande pensamento europeu, como se a irmandade não passasse de um guia insignificante desses que é vendido em aeroporto.
Resultado dessa negligência, sabe-se de apenas duas celebridades que tenham passado por clínicas de reabilitação, os atores Felipe Camargo e Fábio Assumpção, sendo que nenhum dos dois quebrou o anonimato porque quis.
Salas de autoajuda deveriam ser encaradas como primeiríssima opção no tratamento para a dependência -inclusive por serem gratuitas. Deveriam ser reverenciadas e estar apinhadas. Mas não é assim.
Na sala, seja a de familiares ou a de dependentes, não é a terapia da fala que surte efeito, mas o valor do trabalho que um doente realiza em prol do outro. Não há religião, mas o conceito de algo maior que o "eu". A dinâmica é bem diferente do relacionamento que se estabelece entre médico e paciente em consultório. Impressionante que o conceito ainda seja estranho aos especialistas.
Como grande admiradora de Contardo Calligaris, fico pensando naquele dependente, ou mãe de dependente, mulher, pai, filha ou irmão que ainda sofre. O que pode ter ocorrido no caso de ele ter lido a coluna em que o sedutor psicanalista-colunista faz anedota com a irmandade? Se eu não conhecesse os AA e alguém com a credibilidade do Contardo me dissesse que aquele é um lugar em que os colegas de grupo decidem por internações de um ano, eu trataria de nunca chegar perto dali. Nunca, nem a pau.
A coluna que eu gostaria de ver gente que lida com dependentes escrever é uma que o Drauzio Varella perpetrou anos atrás dizendo algo assim: "Sobre alcoolismo, nenhum médico ou psicanalista, terapeuta ou especialista em fármacos entende mais do que os Alcoólicos Anônimos. Não sei bem qual o milagre que eles operam lá dentro, só sei que encaminho todos os meus pacientes para lá".
Pode ser menos charmoso, mas é bem mais eficaz.
Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.
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