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barbara gancia

 

04/11/2012 - 03h00

Para Hebe, com amor

Querida Hebe,

A última vez que escrevi a você foi nos anos 80, eu fazia um free-lance para o Caderno 2, do "Estadão", e tinha acabado de ser demitida da Folha depois de meter os pés pelas mãos numa coluna da qual não guardo boa lembrança.

Dizem, mas nunca saberemos, que a gota d'água que me fez ser defenestrada para o meio da alameda Barão de Limeira se deu por conta da publicação de um boato (tratado por mim como verdade juramentada) atestando que o então governador Franco Montoro, famoso por confundir nomes, chamara o então ministro Pimenta da Veiga de Pimenta do Reino.

A carta que escrevi a você, publicada na capa do caderno, rendeu-me um gentilíssimo puxão de orelhas seu.

Famosos recebem críticas muito mal, você os elogia cem vezes e eles não percebem. Critica uma e o mundo vem abaixo. Você, por acaso, nunca foi assim. Depois que lhe escrevi aquela primeira carta, sua reação foi bem típica. Chegou sorrindo, fez um comentário e me colocou no lugar. O que eu lhe "enviara" fora uma peça cômica sobre a separação de Lolita e Ayrton Rodrigues. Nos anos 60, eles eram Sony e Cher tapuia, eram Bill e Hillary, o casal em evidência que todo mundo admirava, não eram, Hebe?

Ilustração Alex Cerveny/

Ayrton e Lolita apresentavam um programa que fazia um sucesso tremendo, chamado "Almoço com as Estrelas". Um monte de gente famosa ficava sentada numa longa mesa de toalha branca decorada com palmas e flores. Daí uns garçons de clube passavam servindo salada russa, escalopes, ravióli, uma comida que tinha tudo menos aparência cenográfica, depois outra rodada de bandejas com guaraná adentrava o salão e as câmeras filmando, e o Ayrton e a Lolita iam de convidado em convidado e entrevistavam enquanto o pessoal mastigava e partia bifes.

Meus pais, que corriam de carro e eram uma gente extravagante e bonita, vira e mexe iam ao programa. Teve uma vez que o Ayrton e a Lolita vieram até a casa da gente, você deve se lembrar, Hebe, era a época das gincanas da Record. Achei aquilo muito estranho, aqueles caminhões e cabos na porta de casa, mas todas as empregadas da rua vieram ver.

Nosso copeiro, o Irany, era a cara do Bandido da Luz Vermelha. Ele entrou em cena de costas para servir café aos apresentadores por medo de ser confundido e preso. Bem, ao menos foi isso que ele me contou e eu acreditei.

Mas fato está que, nos anos 80, o Ayrton picou a mula, não vamos entrar nisso agora, e eu escrevi a carta para falar sobre como homem cafajeste é igual a formiga, tem em todo lugar.

As pessoas amaram, mas parece que a Lolita nem tanto. Você me contou que o único comentário que ela fez sobre meu texto foi: "Eu rezo muito para essa menina". Lembra?

Pois eu já não sou uma menina e você não está mais aqui. Costumava pensar: "Se eu cruzar a Lolita em algum lugar, ela certamente vai estar com a Hebe e a minha amiga vai segurar a onda". Meu plano falhou.

A falta de timing não termina aí. Outro dia fui participar do programa "O Maior Brasileiro de Todos os Tempos" e o Lá de Cima poderia ter me dado um toque de que sua entrada, pelo telefone, para votar no Pelé, a quem eu fui representar, seria a última vez que o Brasil ouviria a sua voz ao vivo. Puxa, Hebe, se eu soubesse...

E pensar que dias antes você tinha retuitado uma mensagem minha em que eu dizia a você para segurar as pontas no hospital, que a gente estava fazendo a nossa parte torcendo aqui fora. Foi o meu afago que você replicou para milhões de pessoas.

Assim que você se foi, liguei para minha mãe pra contar. A amiga que você encontrou por décadas a fio no Giovanni (cabeleireiro) estava bem triste. Percebi que os mais velhos sofreram demais a sua perda. O Silvio Luiz sempre me disse que os mais antigos da TV eram a Dercy, o Silvio Santos, você e ele. Que todos começaram quando a televisão chegou ao Brasil. Agora ele vai passar o primeiro Natal sem a Hebe, de quem ele tanto gostava.

Bem, avise a Lolita que, se ela quiser vir cear conosco, será muito bem-vinda.

Um selinho da sua admiradora,

Barbara

barbara@uol.com.br

barbara gancia

Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.

 

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