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cláudia collucci

 

06/03/2013 - 03h00

Golpe à vista?

Na coluna de hoje, junto-me ao coro de colegas que nos últimos dias têm denunciado o "pacote de veneno para a saúde", como definiu Elio Gaspari na coluna de domingo.

Trata-se de um pacote de incentivos que o governo de Dilma Rousseff pretende dar a planos de saúde que, entre outras coisas, deverá reduzir os impostos que incidem sobre o setor e oferecer financiamentos públicos para a melhoria dos serviços hospitalares privados.

Em troca, o governo exigiria uma série de garantias para o usuário e forçaria o setor a elevar o padrão de atendimento. A meta, dizem, é facilitar o acesso de pessoas a planos de saúde privados, com uma eventual redução de preços, além da ampliação da rede credenciada.

À primeira vista, as intenções podem parecer boas. Mas, como diz o dito popular, "de boas intenções, o inferno tá cheio". O setor de planos de saúde faturou ano passado R$ 83 bilhões e já cresceu 50,6% nos últimos dez anos. Tem hoje 48,7 milhões de clientes no país (segundo dados da ANS de setembro de 2012), o que equivale a mais de 25% da população brasileira.

É um negócio tão lucrativo que vem atraindo atenção de investidores internacionais. Ano passado, a maior operadora do setor, a Amil, foi vendida para o grupo americano UnitedHealth por US$ 3,2 bilhões.

O grande filão são os planos baratos voltados para a classe média emergente. Mas não precisa ser doutor em economia para perceber que isso não vai dar certo. A situação já está caótica hoje. Quem passou por um PS de hospital ou necessitou de internação nos últimos tempos sabe bem o que estou dizendo. Há longas filas de espera e hospitais com overbooking de pacientes.

Ano passado, os planos de saúde voltaram ao topo de reclamações do ranking do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). As principais queixas dos consumidores são negações de cobertura dos planos, reajuste por faixa etária e anual, e descredenciamento de prestadores de serviço.

A atual expansão do setor de planos de saúde não acompanhou a oferta de serviços. Pelo contrário. Em São Paulo, por exemplo, o número de usuários cresceu 13%, e a rede hospitalar reduziu em 8,4% o número de leitos de internação e de UTI. O mesmo acontece com o número de médicos.

Um levantamento do professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP Mario Scheffer mostra que quem frequenta o SUS na capital tem à disposição mais médicos do que quem tem plano.

Segundo as entidades que representam os médicos e os hospitais, a explicação é simples: mal remunerados, os médicos desistem de atender usuários de planos "meia-boca". Aliás, nem precisa ser tão meia boca assim. Muitos médicos bambambãs simplesmente não atendem mais usuários de plano algum.

Diante desse cenário, o governo federal tem sido omisso. A agência reguladora do setor, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), não fiscalizou o dimensionamento inadequado da rede, e muito menos o número de médicos credenciados.

E acordou tarde para o problema do descumprimento de contratos, que já se arrastava por anos. Só ano passado é que decidiu suspender temporariamente a venda de 396 planos de 56 operadoras.

O impacto do "pacote de veneno" no SUS também poderá ser grande. Sobre isso há um ótimo artigo na edição de ontem da Folha. Não é possível falar em expansão do setor suplementar de saúde, muito menos às custas dos cofres públicos, sem antes fazer uma faxina e obrigar os planos de saúde a entregar o que prometem.

O ministro Alexandre Padilha (Saúde), que participa das negociações do pacote, já disse que não tem plano de saúde e que usa o SUS (não informou qual SUS: do InCor ou o do Capão Redondo). A presidente Dilma, usuária do Sírio-Libanês, também não enfrenta fila para ser atendida.

cláudia collucci

Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros 'Quero ser mãe' e 'Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'. Escreve às terças.

 

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