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clóvis rossi

 

09/03/2012 - 17h00

Um anacronismo e a Cúpula das Américas

Um anacronismo ameaça o único encontro em que os Estados Unidos mantêm um cara-a-cara com os dirigentes dos demais 33 países das Américas, chamado Cúpula das Américas, cuja sexta edição está prevista para dias 14 e 15 de abril em Cartagena de las Índias, uma jóia no Caribe colombiano.

O anacronismo leva o nome de Cuba ou mais exatamente o banimento dessa outra jóia caribenha do sistema interamericano.

Está certo que a Organização dos Estados Americanos aprovou uma Carta Democrática, que Cuba não é uma democracia e que democracia é boa e eu gosto. Mas sejamos pragmáticos: o isolamento de Cuba começou como parte da Guerra Fria. Os Estados Unidos não podiam aceitar que no que então se chamava seu quintal um regime ponta-de-lança da União Soviética.

Acontece que a URSS morreu, o comunismo também (até em Cuba está em processo de transição pelo menos do ponto de vista econômico) e a guerra fria, portanto, foi vencida ideologicamente pelos Estados Unidos.

Manter o bloqueio é pois um anacronismo sob esse ângulo. E é inócuo se a intenção é forçar Cuba a se democratizar e a abrir sua economia. Se a ilha resistiu ao embargo norte-americano por 50 anos, se sobreviveu ao fim da URSS (e da generosa mesada que dava ao regime cubano), não será a proibição de participar das cúpulas das Américas que fará Raúl Castro ceder, certo?

Os países da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) ameaçam não participar da reunião de Cartagena exatamente por conta desse anacronismo.

O presidente anfitrião, Juan Manuel Santos, bem que tentou na quarta-feira um contorcionismo diplomático formidável: rompeu 13 anos de ausências de viagens de mandatários colombianos a Cuba e viajou a Havana para desculpar-se com Raúl Castro por não poder convidá-lo. Esperava que a delicadeza do gesto fizesse o governo cubano combinar com seus partes da Alba (em especial com os mais salientes, o equatoriano Rafael Correa, o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales) que a ausência de Cuba não deveria ser motivo para que eles também faltassem.

Não deu muito certo. O chanceler cubano Bruno Rodríguez reagiu, no dia seguinte, com uma "enérgica denúncia" sobre a "inaceitável e injustificável exclusão de Cuba por parte do governo dos Estados Unidos", que, de fato, vetara o convite a Cuba.

Rodríguez disse ainda que a exclusão "é parte de uma política de bloqueio econômico, político e midiático que é genocida, ilegal, e viola os direitos humanos dos cubanos".

O equatoriano Rafael Correa pegou carona no mote e submeteu a um, digamos, plebiscito popular a decisão de comparecer ou não ao encontro de Cartagena. Em ato público nesta sexta-feira, Correa viu uma bandeira cubana no meio do pessoal e disparou:

"Faço-lhes uma consulta: pedimos que na próxima Cúpula das Américas Cuba participe e se trate do bloqueio criminoso de Cuba durante 50 anos, mas não vão tratar". Perguntou em seguida: "Vamos ou não vamos à Cúpula das Américas?".

Nem preciso dizer qual a foi a resposta, certo?

Faltava, pelo menos até o meio da tarde de sexta-feira, uma decisão formal dos líderes da Alba sobre o comparecimento.

Se não forem, esvazia-se ainda mais um tipo de cúpula que até agora deu resultados muito limitados, para ser educado.

No caso do Brasil, a presença de Dilma Rousseff "está no radar", segundo o Itamaraty, mas não está definitivamente confirmada. O rolo cubano pode ser um bom pretexto para que ela desista, até porque a diplomacia brasileira - favorável à presença de Cuba --não quer, no entanto, que esse tema sequestre a agenda. É inevitável que assim seja, mesmo na ausência dos parceiros de Cuba na Alba, porque o próprio Juan Manuel Santos já disse que quer que o assunto seja discutido para que, na cúpula seguinte, no Panamá, não se tenha que recolocar o anacronismo na pauta.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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