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clóvis rossi

 

16/10/2012 - 12h09

Sai austeridade, volta o calote?

O selvagem Orçamento que o governo de Portugal apresentou ontem pertence a um mundo falido, o mundo da austeridade como valor absoluto.

Um mundo construído para dar aos credores a certeza de que os países que adotam a austeridade (e são quase todos os da Europa) pagariam suas dívidas, qualquer que fosse o custo social e político.

Não está funcionando, de que deu prova, na semana passada, ninguém menos que Christine Lagarde, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, uma das instituições que funciona como xerife desse mundo.

Lagarde pediu mais tempo para que os países em dificuldades ajustem suas contas.

A esse primeiro sinal de que o mundo da ortodoxia está exalando seus últimos suspiros somou-se ontem artigo, no "Financial Times", que tampouco é arauto da heterodoxia, pregando o calote como necessidade para restaurar o crescimento.

O artigo não é de algum líder político da extrema esquerda ou de um porta-voz desses movimentos de "indignados" com a hemorragia gerada pela austeridade. Assina-o o economista-chefe de um banco, e não de um banquinho qualquer, mas do Citigroup.

"Também necessária para salvar o euro e criar as condições para a retomada do crescimento é uma reestruturação da dívida dos mais prováveis países insolventes --Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre e possivelmente Espanha, Itália e Eslovênia", escreveu Willem Buiter.

Buiter cita a "fadiga da austeridade" como uma das razões para pregar o calote, sob o codinome de "reestruturação da dívida".

Se, quando se instalou a segunda fase da crise, em 2010, apenas a Grécia era mencionada como candidata ao calote e, agora, até um banqueiro lista outros seis países na mesma situação, tem-se a mais escandalosa evidência de que a austeridade fracassou no seu intuito de se tornar seguro infalível para a "reestruturação".

Não sei se o palpite de Buiter será logo seguido, mas é evidente que o ambiente mudou.

Há um mês, a revista "Der Spiegel" já informava que a chanceler alemã Angela Merkel abandonara a ideia de a Grécia deixar o euro.

"Na Chancelaria em Berlim, funcionários temem que tal desenlace possa desencadear um efeito dominó como o causado pela quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008", que levou a economia mundial ao caos (só na Alemanha, a economia encolheu 5%).

Parece combinar perfeitamente com essa informação da revista o fato de que Wolfgang Schäuble, o todo-poderoso ministro alemão das Finanças, tenha dito domingo que "uma saída da Grécia da eurozona seria danosa para todo o mundo".

Manter a Grécia no euro significa ou dosar melhor a austeridade ou aceitar novo calote na dívida ou ambas as coisas.

É bom lembrar que Portugal já ganhou um ano a mais para fazer o seu ajuste. Se, assim mesmo, apresenta um Orçamento tão rigoroso que fatalmente agravará uma recessão que já é a mais dolorosa em 40 anos, significa que a austeridade como valor absoluto fracassou.

Insistir nela é suicídio --e países não costumam suicidar-se.

crossi@uol.com.br

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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