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clóvis rossi
Obama, Putin, tango e samba
Começo hoje exatamente por onde terminei o texto "Mísseis e o tango de Obama". Dizia que "o problema maior desse multilateralismo [a filosofia central da política externa do presidente norte-americano] não está nas mãos de Obama mas dos líderes - regionais ou globais - aos quais estende a mão. Como diz um ditado muito usado nos Estados Unidos, é preciso dois para bailar o tango".
Não é que Vladimir Putin, o primeiro-ministro russo - e quem manda de fato no país - saudou, sim, a decisão de Obama de eliminar o escudo antimísseis que seria erguido na Polônia e na República Tcheca mas já pediu o braço inteiro, não apenas a mão estendida.
Foi uma decisão "correta e corajosa", afirmou, para em seguida pedir mais, a saber "a completa remoção de todas as restrições à transferência de alta tecnologia para a Rússia e ações para incluir no processo de entrada na Organização Mundial do Comércio, além da Rússia, o Cazaquistão e a Belarus" [ex-repúblicas soviéticas, hoje satélites da nova-velha Rússia].
Não vou nem entrar no mérito das petições, mas no "timing". Qualquer líder razoável que veja afastado o que considerava o principal obstáculo para um melhor relacionamento com outro país deixa novas reivindicações para outro momento ou para discuti-las em um marco em que ofereça contrapartidas. O principal obstáculo entre russos e norte-americanos era precisamente o escudo agora "deletado".
O que diria Putin se Obama cobrasse, por exemplo, uma investigação séria sobre o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya, uma crítica aguda das violações aos direitos humanos praticados pela Rússia na Tchechênia?
Ao pedir a Obama que atue na OMC para que seja aceita não a Rússia, que estava em negociações de acesso mas suspendeu-as, mas também a união aduaneira Rússia/Cazaquistão/Belarus, é reveladora de outra faceta de Putin: a incapacidade de entender processos de negociação complexos em que ninguém manda, ao contrário do que ocorre na autocrática Rússia de ontem e de hoje.
Se os Estados Unidos mandassem na OMC, não teriam perdido a causa que o Brasil moveu contra ele a propósito do algodão.
Se a Rússia de Putin quisesse bailar o tango, o premiê poderia ter dado a resposta a Obama que veio apenas de um sub do sub do sub, Dmitry Rogozin, representante russo junto à Otan, a aliança militar que era contra a União Soviética e hoje abrange quase toda a Europa, inclusive os países ex-comunistas.
Rogozin anunciou que, como contrapartida à iniciativa de Obama, a Rússia não mais vai instalar novos mísseis no encrave de Kaliningrado.
Mais: festejou como "muito positiva e muito construtiva" a proposta do secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, para que os russos trabalhem com a aliança militar liderada pelos Estados Unidos em esquemas anti-mísseis e participe com ela em uma "revisão conjunta dos desafios de segurança que enfrentamos" (proposta, aliás, que constava do discurso em que Obama anunciou o fim do escudo).
Essa é a maneira de sair um tango. Ou melhor, um samba que é invariavelmente mais alegre que o tango.
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.
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