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clóvis rossi

 

21/04/2010 - 13h13

Cuba, outra voz moderada pela mudança

Mais uma voz moderada se alça para apontar a crise que vive a revolução cubana. Agora, é o cardeal Jaime Ortega, arcebispo de Havana e, como tal, a principal figura da Igreja Católica na ilha.

O que dá mais força à manifestação do cardeal --em entrevista à revista "Palabra Nueva"-- é o fato de que não usa a linguagem usual dos contra-revolucionários, que acaba tendo menos eco depois de meio século de aplicação continuada.

Dom Jaime Ortega fala mais como amigo de Cuba do que como militante de um lado ou de outro.

Começa por referir-se ao consenso que existe na ilha em torno da necessidade de mudanças. É fato. Mesmo Raúl Castro, ao assumir no lugar do irmão, faz quatro anos, anunciou a necessidade de mudanças. Se não foram feitas, não quer dizer que não sejam necessárias. Talvez queira dizer que não é fácil fazê-las sem desmontar completamente o edifício revolucionário.

A demora, diz o cardeal, "produz impaciência e mal-estar no povo".

O prelado, sempre na linha da moderação, pede a libertação de todos os presos políticos, considera "deplorável" a morte do dissidente Orlando Zapata, depois de 85 dias de greve de fome, mas condena igualmente o que chama de "guerra verbal dos meios de comunicação dos Estados Unidos, Espanha e outros", desatada a partir da morte de Zapata.

Dom Jaime critica ainda o governo Barack Obama por ter recaído no que considera "a antiga política de começar pelo final" a negociação com o regime cubano.

Refere-se ao fato de que Washington insiste em que Cuba faça mudanças em matéria de direitos humanos para só então levantar o bloqueio à ilha e iniciar o diálogo.

"Estou convencido --diz o cardeal-- que a primeira coisa deveria ser encontrar-se, falar e avançar no diálogo. Essa é a maneira civilizada de encarar qualquer conflito".

O cardeal Ortega tem evitado ao máximo manifestar-se sobre política, o que dá à sua entrevista um peso ainda maior, revelador de um momento delicado na ilha. Nos primeiros anos da revolução, as relações igreja-regime foram complicadas, a ponto de padres católicos terem sido expulsos e escolas religiosas fechadas. Mas, aos poucos, foi-se construindo um espaço de diálogo, para o qual muito contribuiu frei Betto, dominicano brasileiro.

Até que, em 1998, o papa (então João Paulo 2º) fez histórica visita à ilha, o que sacramentou a paz. Três anos depois, a militância católica foi importante para o lançamento do "Projeto Varela", movimento pró-democracia, que, como todos os do gênero, foi mais ou menos silenciado pelo regime.

Que o cardeal se expresse agora não é apenas eco tardio do "Projeto Varela" mas a constatação de que a ilha vive uma crise gravíssima, a mais grave do século, segundo dom Jaime. Não é apenas produto das ineficiências do regime, mas também da devastação causada por três furacões, em 2008, e pela redução no movimento turístico e nas remessas dos emigrantes, provocada pela crise global, além da queda no preço do níquel, um dos principais produtos de exportação.

Não é à toa, portanto, que um firme simpatizante da revolução, o cantor e compositor Sílvio Rodríguez, diga que está na hora de tirar o "erre" de revolução para partir para o que resta da palavra, "evolução" (mais detalhes no texto "Cuba, o prazo da revolução venceu", de 29 de março.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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