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clóvis rossi

 

27/07/2010 - 15h23

Revoluções, goma de mascar e BMW

Anos atrás, depois de voltar de uma viagem a Cuba, participei de uma mesa-redonda na qual fiz a seguinte sugestão: algum especialista - sociólogo, antropólogo, cientista social - ou uma equipe multidisciplinar deveria estudar a permanência da fixação dos cubanos pela goma de mascar. Ou, mais exatamente, pelo que os americanos chamam de "chewing gum".

Explico: quase 40 anos depois de uma revolução que banira todos os símbolos do "império", ainda havia jovens cubanos que se animavam a pedir a visitantes estrangeiros a tal goma de mascar.

Claro que pediam também outras coisas, como cigarros, por exemplo, tênis, mais esporadicamente. Mas cigarros e tênis são muito menos simbólicos do passado da ilha como prostíbulo do Caribe.

Ficava óbvio que Ernesto Ché Guevara fracassara na sua busca pelo "homem novo", liberado dos vícios burgueses, do consumismo tolo e por aí vai.

Agora, reportagem do excelente repórter que é Fabiano Maisonnave, correspondente da "Folha" em Pequim, mostra que o comunismo chinês, ainda mais antigo que o cubano, tampouco erradicou o gosto pelo luxo.

Fabiano reproduz uma frase que poderia ser a palavra de ordem de qualquer Daslu da vida: "Prefiro chorar numa BMW do que sentar na garupa da sua bicicleta sorrindo", disse a modelo Ma Nou, 22 anos, ao rejeitar o convite de um pretendente para passear em um dos símbolos do cotidiano chinês.

A modelo é a estrela do programa de namoro na TV "Se Você É o Escolhido".

A ativa censura chinesa não perdoou: proibiu que o programa, até recentemente o mais visto no país, debatesse temas como o sucesso financeiro.

Proibição inútil. Como decretava Joãozinho Trinta, um filósofo muito mais sintonizado com a realidade do que a grande maioria dos intelectuais ditos de esquerda, "quem gosta de pobre é intelectual".

Pobre ou classe média quer mesmo, no mínimo, "chewing gum" e, no máximo, BMW, como demonstra o episódio chinês.

Aliás, nem foi o único, sempre de acordo com o relato de Fabiano Maisonnave: a revista masculina 'GQ' chegou às bancas este mês com uma história sobre jovens ricos fanáticos por carros de luxo.

Um deles - continua o relato - disse ter rejeitado sair com uma jovem porque ela dirigia um Porsche velho de cinco anos: "Segunda mão", decretou.

Se o Ché tivesse estudado mais Freud e a alma humana, talvez não morresse isolado na selva boliviana.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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