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clóvis rossi

 

06/09/2010 - 14h47

Patriotismo, terrorismo, canalhice

DE SÃO PAULO

Se o escritor e pensador inglês Samuel Johnson (1709/1784) está certo em dizer que "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas", então um desses refúgios começou a ruir com a proposta de trégua anunciada pelo grupo basco ETA.

ETA são as iniciais de Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade), grupo criado durante a ditadura franquista (1939/1975) para lutar pela independência do País Basco, a região do norte da Espanha que entra também pela França.

Enquanto o franquismo dominava a Espanha, o grupo gozou de relativa legitimidade e reconhecimento internacional. Afinal, o Direito internacional e mesmo a Doutrina Social da igreja admitem o direito à rebelião ante uma tirania insuportável. Claro que "insuportável" é um termo subjetivo, mas, no caso do franquismo, o regime foi especialmente repressivo em relação ao nacionalismo basco (e também catalão). Repressão não só física mas também cultural.

Por isso mesmo, partidos democráticos contrários à violência como instrumento de ação política ou apoiaram ou silenciaram em relação aos métodos do grupo ETA. Caso, entre outros, do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), hoje no poder.

Quando, após a morte de Franco, veio a democracia, o terrorismo tornou-se uma aberração. Ainda mais que os governos democráticos concederam ao País Basco (e às demais comunidades espanholas) um grau de autonomia bastante amplo. Mais, só mesmo chegando à independência, em tese o objetivo da luta da ETA. Mas a independência não conta com o apoio da maioria nem no País Basco nem na Catalunha, do que dá prova a baixa votação dos partidos independentistas, inclusive (ou principalmente) aqueles que funcionaram como linha auxiliar da ETA.

É claro que a lógica política ensina que, a cada aumento no teor de autonomia, segue-se, de parte das agrupações regionais, a reivindicação por ainda mais autonomia. É do jogo.

Independência é outra coisa, que a ETA tratou sempre de impor pela força não só ao governo central mas aos próprios bascos. Por isso, o ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcaba, responsável pela segurança interna, descartou a proposta de diálogo feita pelo grupo terrorista. Diálogo que teria como finalidade chegar "democraticamente" à independência.

"A ETA mata para se impor e, portanto, não se pode dialogar", afirmou o ministro que reiterou que manterá intacta a politica antiterrorista. Política, de resto, eficaz. Enfraqueceu o grupo basco até levá-lo a sugerir a trégua.

Como se trata da 11ª trégua anunciada nos 51 anos de vida da ETA, é natural que tenha sido recebida com ceticismo. Pode se tratar apenas de uma maneira de ganhar tempo para lamber as feridas provocadas pela repressão e aumentar a musculatura debilitada.

Mas o anúncio parece mais um reflexo do desgaste crescente não só da sua força militar mas da cumplicidade de que goza (ou gozava) entre os bascos pró-independência, como a chamada esquerda "abertzale" (patriota em basco). Esta acabava de solicitar à ETA "uma trégua permanente e internacionalmente comprovável".

Não foi exatamente o que o grupo anunciou, mas não deixa de ser um passo para escapar da aberração.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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