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clóvis rossi

 

22/11/2010 - 16h59

Os bancos têm que pagar

O pacote de ajuda a Irlanda, decidido no fim de semana, põe fim à crise? Nem por sonho. Pode ter acalmado os corsários do mercado financeiro, mais seguros de que receberão o que a Irlanda deve, graças ao empréstimo europeu, com participação do FMI, da Inglaterra e da Suécia, países que não são da eurozona (e o zona aí tem mesmo duplo sentido).

Mas já se abriu uma crise política na Irlanda, que tende a derrubar o governo mais cedo do que tarde, dando margem à incertezas sobre a aprovação do orçamento com cortes draconianos que é a contrapartida do empréstimo.

Além disso, os corsários já puseram proa rumo a Portugal e Espanha, dois outros países endividados, o que significa que acabam deixando cair gotas de sangue que atraem as piranhas do mercado.

O problema só será realmente enfrentado na hora em que os governantes tiverem a coragem de peitar o sistema financeiro. Não há outra solução. Nem precisa ser o remédio extremo, na forma de um calote à Argentina, como sugerido no "Guardian" desta segunda-feira pelo colunista Dean Baker.

Ele lembra, com razão, que o problema da Irlanda não foi criado por gasto público irresponsável, bem ao contrário. A Irlanda teve superávits fiscais (gastou menos do que arrecadou) nos cinco anos anteriores à crise. Quem a criou foram os bancos, que emprestaram descuidadamente para construtoras e consumidores, alavancando um "boom" imobiliário que, ao explodir, levou os bancos à quebra. Só não fecharam as portas porque o governo amparou-os com uma pilha de dinheiro, do que decorreu um déficit monumental.

Baker admite que o calote não é "a primeira melhor opção", mas acrescenta que, "se a alternativa é um indefinido período de desemprego de dois dígitos [está agora em assombros 14,1%], então abandonar o euro e dar o calote parece muito mais atraente".

A Argentina já provou que dar o calote pode de fato não ser a primeira melhor opção, mas, quando inevitável, tampouco é o fim do mundo. Causa uma dor inicial forte, mas, depois, pelo menos no caso argentino, veio uma frase de forte crescimento, só interrompida pela crise global.

Acontece que, no caso da Irlanda, o calote teria que ser precedido pelo abandono do euro, que tende a ser mais um problema que uma solução.

Por isso, mais conveniente é examinar a proposta de um homem de mercado aparecida nesta segunda-feira no "Financial Times".

Gerald Holtham, sócio-gerente da Cadwyn Capital LLP e professor visitante da Cardiff Business School, propõe que o conjunto da União Europeia faça uma detalhada análise do balanço de todos os seus bancos, "a única maneira de saber quando de fato valem seus ativos", seguida de um plano de resgate continental, não país a país, como foi feito primeiro com a Grécia e agora com a Irlanda.

Mas, atenção, o bonito da proposta é que os bancos e seus acionistas pagariam pelo menos uma parte da fatura pelo resgate das instituições com problemas.

O dinheiro de um fundo europeu de resgate entraria em troca de ações das instituições financeiras socorridas, diluindo a propriedade acionária. Além disso, o que ainda ficar de buraco seria tapado por uma reestruturação da dívida, "às custas dos credores". Enfim, é uma maneira mais suave e mais elegante de dizer calote, embora parcial.

O essencial nesse tipo de propostas nem são os aspectos técnicos, provavelmente polêmicos. O que vale é o lado político, ao cobrar dos bancos a sua parte pela imensa confusão em que meteram o planeta inteiro com suas aventuras financeiras. A alternativa já está nas ruas: os tumultos de maio na Grécia, as formidáveis mobilizações e greves de outubro na França, os protestos que se tornaram violentos no Reino Unido e, agora, o governo irlandês colocado contra as cordas.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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