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clóvis rossi
Consumidor, cidadão, contrabandista
Fico feliz de verificar, em duas belas reportagens da Folha papel, que as grifes resolveram desembarcar nas lojas ditas populares.
É verdade que a demofobia continua presente: as grifes não usarão suas marcas de nome mas o que o jargão mercadológico chama de "segunda marca". Vou traduzir: madame dos Jardins não ficaria nada satisfeita se, de repente, sua empregada pudesse comprar numa loja de bairro mais ou menos pobre uma roupa com a mesma etiqueta (nos pobres de verdade, ainda não há espaço para esses luxos).
Fico feliz por duas razões, uma cidadã e outra pessoal: o desembarque das grifes nas lojas menos glamurosas significa que o Brasil está progredindo. Muito mais devagar do que eu gostaria, muito menos do que eu gostaria, mas progredindo.
A razão pessoal: compro minhas camisas no exterior. Chique, não é? Seria, se a loja que frequento fosse de grife. Nada disso. É a velha e boa C&A. Minha grife, portanto, não é Ferragamo, Hugo Boss nem mesmo as nacionais classudas, mas a "Canda", (CandA por extenso).
São camisas boas, duráveis e baratas. Na última incursão (C&A de Montparnasse, em Paris), paguei 10 euros por uma camisa, o que dá uns 22 reais.
Na segunda-feira, dei uma espiadinha rápida nas lojas de rua de Buenos Aires e a camisa mais barata que vi valia o triplo, por mais que os preços em Buenos Aires estejam camaradas por causa do câmbio.
O problema é que, nas C&As do Brasil, ou não há camisas que vistam meu 1m98 ou a qualidade é incomparavelmente inferior à que encontro no exterior.
Não sei porque, mas é um fenômeno que se repete com outros itens, o que me causou sempre a impressão de que as multinacionais maltratam o consumidor brasileiro, confiantes no baixo teor de reclamações dele.
Exemplo: quando nos instalamos na Espanha, há 18 anos, descobrimos um detergente para louça fantástico, que rendia o triplo dos detergentes que usávamos no Brasil (sim, eu ajudo a lavar louça e, portanto, sei do que estou falando).
Achei até que o detergente era feito com água de Barcelona, que, por ser a cidade mágica que é, deveria ter água igualmente mágica. Não. É produto de uma multinacional que, no entanto, não o faz no Brasil.
Passamos, pois, a fazer esporadicamente contrabando do tal detergente.
Idem, idem, com um shampu anti-caspa, o H&S. Só agora, esse produto está desembarcando no Brasil, 18 anos depois de tê-lo descoberto. Desembarcou com tudo, até nos intervalos comerciais do Jornal Nacional.
Espero, pois, que o desembarque das grifes nas lojas populares signifique também que as grandes marcas, nacionais ou estrangeiras, estão passando a respeitar o consumidor tupiniquim. É um passo. Falta agora que o consumidor se torne também cidadão e exija dos poderes públicos o mesmo atendimento que os produtores privados passaram a lhe dar.
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.
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