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clóvis rossi

 

28/02/2011 - 16h49

ONU. Mas pode chamar de "Bela Antônia"

Logo ao chegar ao "Palais des Nations", o colossal complexo que abriga o escritório das Nações Unidas em Genebra, dá para notar que é um desses dias que fazem a glória da instituição: levei hora e meia na fila, até obter o credenciamento provisório para acompanhar a 16ª sessão do Conselho de Direitos Humanos que começou segunda-feira e vai até o dia 25 de março.

No meio da revolução mundo árabe e ante o massacre na Líbia, ninguém que pode estar quer perder a sessão, ainda mais que vieram alguns "top guns" do planeta, entre eles Hillary Clinton, a secretária norte-americana de Estado, país que sempre desdenhou do Conselho, achando que ele não tinha dentes.

Os discursos seguem um tom geralmente épico, como no caso de William Hague, o chefe do Foreign Office, o ministério britânico do Exterior. "Se a mudança e o desenvolvimento [no Oriente Médio] puderem ser alcançados pacificamente, será o maior avanço em assuntos mundiais desde que a Europa Central e do Leste mudaram tão dramaticamente vinte anos atrás", diz Hague, aludindo ao fim do comunismo.

Sua colega Catherine Ashton, a alta representante da União Europeia para assuntos internacionais, põe mais anos, muitíssimos mais, na sua comparação. Exatamente 7 mil anos.

Como assim? Conta que esteve na Tunísia e no Egito, os dois primeiros países (e até agora únicos) que derrubaram seus ditadores e que ouviu, no Egito, pedidos de ajuda para "assegurar que tenhamos [os egípcios] a primeira real eleição de um governante em 7 mil anos".

O local do encontro é digno dessas comparações grandiosas. É um complexo de cinco edifícios que faz os jornalistas, pelo menos os da minha geração, praticarem o que menos praticam: andar. Passa-se da plenária, no edifício "E" às entrevistas coletivas, no "A", na outra ponta, e volta-se, uma e outra vez.

A pedra fundamental foi lançada em 7 de setembro de 1929, com a intenção de ser a sede da Liga das Nações, o conglomerado nascido ao fim da primeira guerra, mas que sobreviveu pouco. De todo modo, nas maçanetas das grandes portas de cada prédio a inscrição ainda é "SN", de sociedade das nações, a expressão francesa.

É um belo local de trabalho, usado por cinco mil funcionários, às margens do lago Leman, nos 45 hectares de um parque, o Ariana, com árvores de mais de 100 anos de vida.

Pena que essa beleza toda demonstre, quase sempre, uma enorme impotência. A baronesa Ashton, a "chanceler" europeia, disse que "o Conselho [de Direitos Humanos] algumas vezes parecia decidido apenas a não decidir".

Decidiu no sábado expulsar a Líbia do grupo, na primeira vez em que um país-membro vai ao banco dos réus. Decidiu também investigar o banho de sangue no país de Gaddafi.

Basta? Não na opinião de Maite Nkoana-Mashabane, ministra de Relações Internaiconais e Cooperação da África do Sul". Seu discurso terminou com o cântico de "implementação, implementação, implementação", maneira enfática de dizer que não basta adotar resoluções, por grandiloquentes que sejam, se elas não forem levadas à prática.

É por isso que os Estados Unidos achavam o Conselho "sem dentes", o que não deixava de ser conveniente, porque não mordia os inimigos mas tampouco mordia os amigos agora em desgraça como o egípcio Hosni Mubarak.

Não podia mesmo morder. Um dos oradores seria Baudan bin Mohamed Alaiban, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Arábia Saudita, que não é exatamente o modelo de democracia do planeta.

Ah, em uma das incontáveis salas do "Palais des Nations", rolava placidamente uma exposição sobre o Bahrein, exatamente um dos países em ebulição.

Com todos esses problemas, o sistema Nações Unidas não deixa de ser o melhor cenário para evitar as guerras que ensanguentaram o século 20.

Pelo menos é o único palco em que o chanceler do minúsculo e simpático Uruguai, Luis Almagro, pôde exercer sua ironia. Ele deveria ter sido o último orador da manhã, mas todo mundo ultrapassou o tempo previsto e sua fala sobrou para a tarde, quando quem deveria ser a primeira a discursar era a grande atração do dia, Hillary Clinton.

A sala ficou completamente lotada. Almagro ironizou: "É a primeira vez que tenho público tão numeroso".

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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