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clóvis rossi

 

09/09/2011 - 13h24

O Alemão e o México

Se eu fosse governador do Rio de Janeiro, despacharia uma equipe da Secretaria de Segurança Pública para estudar o jeito mexicano de combate ao crime organizado.

Explico: ao assumir, em 2006, o presidente Felipe Calderón adotou a ousada e polêmica decisão de pôr o Exército na rua, para combater o narcotráfico, um câncer que sangra profundamente o país.

No Brasil, nunca houve governo que tivesse idêntica coragem. Pior: nunca se levou até o fim a discussão em torno do envolvimento das Forças Armadas na luta contra o narcotráfico. É um assunto realmente complexo, com argumentos fortes a favor e contra. Mesmo sem esse debate, o Rio de Janeiro se viu forçado a pedir a ajuda das Forças Armadas para ocupar o
Complexo do Alemão, numa confissão quase explícita de que as forças estaduais de polícia não conseguiam retomar para o Estado o que nunca deveria ter sido perdido para a criminalidade.

Agora, a tentativa de reocupação do morro pela bandidagem e os conflitos entre soldados/policiais e gente da comunidade tornam evidente que a simples presença da tropa não basta para resolver o problema.

É a lição que o México ensinaria e ainda pode continuar ensinando. Entre 2006 e 2010, houve 34.612 execuções vinculadas ao crime organizado, uma espiral de violência que só faz crescer: 44% desses crimes ocorreram no ano passado.

O presidente Calderón atribui a esmagadora maioria das mortes a combates entre os próprios cartéis da droga. A presença das Forças Armadas teria dificultado sobremaneira a atuação dos narcotraficantes, o que levou a uma verdadeira guerra pelo controle de áreas do país, segundo a versão oficial.

Pode até ser verdade que bandidos estão matando bandidos, mas a sociedade não está convencida dessa versão: a Demotecnia, empresa de pesquisas, perguntou recentemente aos mexicanos se achavam que as autoridades poderiam protegê-los dos delinquentes. Cinquenta e sete por cento responderam que não. "Sinceramente, em vista dos acontecimentos, eu adiro a essa resposta negativa", comentou María de las Heras, diretora da Demotecnia.

Suspeito que se se fizesse pesquisa similar no Rio de Janeiro (ou em São Paulo) também apareceria uma boa porcentagem de gente que se diria insegura, com ou sem a presença das Forças Armadas.

Ao fazer, no mês passado, um balanço de seu governo, Calderón defendeu a estratégia adotada. "Se não tivéssemos feito nada, o país estaria completamente dominado pelos cartéis e o crime teria crescido até o ponto de que as instituições do Estado teriam deixado de funcionar", afirmou. Completou: "A única maneira de acabar de verdade com esse câncer é perseverar nessa estratégica".

Essa frase poderia ter sido usada por alguma autoridade brasileira no caso do Complexo do Alemão. Tanto que, no Rio de Janeiro, um oficial do Exército apareceu quarta-feira no Jornal Nacional (perdão por não ter anotado o nome) com um discurso similar, claro que menos dramático, porque o território de combate em que entraram as Forças Armadas não abrange o país todo, ao contrário do México.

Diga-se que a lógica por trás da intervenção militar no México poderia perfeitamente valer para o Rio e para todo o Brasil: as polícias estavam, no México, demasiadamente infiltradas pelo narcotráfico para serem de fato capazes de combatê-lo.

O grau de insegurança no México não é muito diferente do que existe nas grandes cidades brasileiras. Lá, por exemplo, criou-se espontaneamente uma rede de apoio, com o uso do twitter e do SMS, entre outras armas, para avisar de problemas na rota que o voluntário está fazendo. Os arrastões e os "bondes" no Rio de Janeiro e em São Paulo são eloquentes demonstrações de esse tipo de rede de segurança também é necessário por aqui.

Ou seja, se a polícia não consegue dar a segurança desejada pela cidadania, como parece evidente; se, no México ao menos, nem a presença do Exército consegue tranquilizar a maioria, o passo seguinte do eleitorado será pedir "Mano Dura", de que dá exemplo a Guatemala.

No domingo, o candidato presidencial mais votado (talvez ganhe no primeiro turno) será o general Otto Pérez Molina, apelidado exatamente de "Mano Dura".

O general é acusado de participação na sangrenta repressão dos anos de chumbo (1960/1996), em que morreram 200 mil pessoas. Ele nega, como seria de se esperar.

Se for anistiado pelo eleitorado, como tudo leva a crer, será porque "há mais mortes violentas a cada dia do que durante o conflito armado" [encerrado em 1996], como diz Frank La Rue, líder de uma organização de direitos humanos.

As recentes manifestações de apoio à "mão dura" da polícia, no notório caso do "estrebucha", sugerem que o Brasil já está chegando a esse ponto de desespero. Como não parece haver, dentro da lei, mão mais dura do que o uso das Forças Armadas, seria prudente examinar com o lupa o resultado da experiência mexicana.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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