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eliane cantanhêde

 

21/04/2010 - 00h02

Em defesa de Brasília

O Brasil era "oco", com um litoral pujante e um imenso vazio no seu interior. Juscelino Kubitschek, saudado pelo centro, pela esquerda e pela direita como um dos melhores, ou o melhor presidente da história brasileira, foi o visionário que trouxe vida para o Centro-Oeste e a partir dali criou ramificações para todas as regiões. Conseguiu, sem dúvida, um melhor (apesar de ainda imperfeito) equilíbrio geográfico, populacional, econômico e político ao país.

Ao completar 50 anos neste 21 de abril, Brasília é uma cidade vigorosa, muito bonita, recheada de jardins, amplas avenidas e uma arquitetura ainda hoje prestigiada mundo afora. Mas está também atolada na corrupção política e cercada de poeira e miséria. Ou seja: é o retrato do Brasil. Nem melhor, nem pior.

Quando a imagem do governador José Roberto Arruda recebendo pilhas de dinheiro vivo atravessou o país de ponta a ponta, houve perplexidade e horror. Mas, com certeza, não era nem é o único. Só se tornou o único quando foi investigado, processado, preso, passou 60 dias encarcerado e renunciou ao mandato. Quantos outros fazem o que ele fazia? E quantos outros passaram ou passam por isso por aí afora?

A partir de Arruda, o Executivo local ruiu como um castelo de cartas (a imagem, aliás, raramente cabe tão bem...): o vice Paulo Octávio também renunciou, o primeiro presidente da Câmara Legislativa foi atrás, o segundo mal se aguentou no governo, e a cidade chega ao seu aniversário "comemorando" quatro governadores em poucos meses. O atual, Rogério Rosso, foi eleito para um mandato-tampão, enquanto a eleição de outubro não vem.

Todos eles, de Arruda a Rosso, têm um traço em comum: a origem "rorizista". Ou seja: viraram políticos sob os ventos e à sombra do goiano Joaquim Roriz, que foi nomeado governador pelo então presidente José Sarney, em 1988, e não deixou passar a chance em branco: aproveitou para montar todo um esquema financeiro, administrativo e político que o levou de volta ao cargo três outras vezes, já como governador eleito. Ao todo, Roriz foi governador quatro vezes. Deu no que deu.

Mas não foi sempre assim. Brasília nasceu sob o desenvolvimentismo, o liberalismo econômico e o liberalismo político de JK, cresceu com a leva de professores de elite trazidas de todos os cantos para fundar a UnB, atuou na resistência à ditadura, mesmo sendo a cova dos leões, participou ativamente de todos os momentos políticos do país nos últimos 50 anos.

Produziu bons políticos e boas bandeiras, viveu intensamente as diretas, já, a eleição de Tancredo, a Constituinte, os "caras pintadas". E --para quem não sabe-- votou contra Jânio Quadros na última eleição antes da ditadura, em 1960, e contra Fernando Collor na primeira depois da ditadura, em 1989. Acertou. Tanto Jânio quanto Collor caíram.

A esperança, agora, é que a prisão de Arruda e o desmoronamento do esquema Roriz sejam o fim do pesadelo e a volta ao sonho. Está difícil, porque os partidos se igualaram, os quadros políticos se deterioraram, a sensação é de terra arrasada. Mas não custa sonhar. Até porque o pesadelo não é exclusivo do DF, nem o sonho seria. Brasília, gente, é o Brasil.

eliane cantanhêde

Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da Página 2 da versão impressa da Folha, onde escreve às terças, quintas, sextas e domingos. É também comentarista do telejornal 'GloboNews em Pauta' e da Rádio Metrópole da Bahia.

 

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