Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

fabrício corsaletti

 

28/10/2012 - 03h00

Elogio das padarias paulistanas

Eu sempre quis escrever sobre as padarias de São Paulo.

Elas são, junto com a Rita Lee, a mais completa tradução da cidade. Mas por isso mesmo, pela importância do tema, faço o que posso pra fugir dele. Escrevo sobre TVs nos bares, conversas contemporâneas tediosas, máscaras, fracassos pessoais, enfim, qualquer coisa que não lembre o leitor o que São Paulo tem de melhor.

(Sobre o que tem de pior, o trânsito, também não escrevo. Deixo a tarefa pra gente mais bem informada do que eu, que saiba propor soluções etc. Me contento em não ter carro e, assim, não aumentar o caos. É uma culpa a menos pra carregar.)

Acontece que na semana passada, aproveitando que tinha consulta marcada com um médico da Vila Madalena, tomei café numa padaria da rua Rodésia de que gosto bastante e, mordendo meu pão com manteiga na chapa, entendi que estava na hora de encarar o assunto.

Ilustração Guazzelli

Voltei pra casa, abri meu caderno de "Temas para Crônicas" e encontrei uma lista de nomes de padaria que venho anotando há uns dois anos, com a ajuda de amigos: Estalagem, Flor de Lis, Barbotti, Flor do Minho, Padaria do Portuga, Orquídea Pérola (obrigado, Cilza), Trigonela, Pão D'Ouro, Rio de Ouro, Covadonga, Letícia, Camila, Flor do Mar (aí forçou) e, claro, Charmosa, Nova Charmosa, Nova Charmosa II etc. (O mais bonito nome de padaria fica na minha cidade: Alvorada.

Se na época de Homero existisse esse tipo de estabelecimento comercial, na "Odisseia" haveria uma padaria chamada Alvorada.) Adoro nomes de padarias. E sonho com um livro de fotos só com as fachadas das padarias paulistanas, os letreiros em destaque.

Nas páginas seguintes, topei com algumas frases: "A padaria está pra São Paulo como o café está pra Paris, o pub pra Londres, o boteco pro Rio", "Ninguém é totalmente infeliz enquanto come um pão na chapa", "Era um solitário, mas tinha a sua padaria", "A mulher do padeiro é dourada, quente e macia", "A mulher do padeiro tem os cabelos cor de trigo", "O filho do chapeiro come pão velho?", "Por que as padarias querem se transformar em minishoppings?", "Sem as padarias, pra que servem os jornais?", "Nem toda noite de amor em São Paulo acaba numa padaria, só as inesquecíveis", "- Gosta de putaria? - Sou mais uma padaria". Mas chega de tantas aspas.

Uma vez vi um cara ter um infarto dentro de uma padaria. Era gordo, 60 anos, cabelo ralo. Caiu no chão. Chamaram a ambulância. Foi levado pro hospital. Quando a confusão acabou, um chapeiro disse pro outro: - Tá vendo? Come coxinha todo dia...

Uma boa coxinha de padaria no meio da tarde divide o dia em dois, em duas metades miseráveis.

Numa manhã de desespero, de fantasmas amorosos perfurantes e dor de corno aguda, a padaria te traz de volta à realidade. De todas as coisas da cidade, a padaria é a mais real. As pessoas, lá, são reais. E você quase consegue aceitar a ideia de riscar outro fósforo e seguir em frente, por muito tempo ainda -desde que nunca falte uma padaria por perto.

fabrício corsaletti

Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, Fabrício Corsaletti é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página