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fernando canzian

 

02/07/2007 - 11h43

20 anos

Reproduzo abaixo mensagem de um leitor comentando a coluna da semana passada:

"Me chamo William, tenho 20 anos e moro em Blumenau-SC.

Nos últimos dias estive lendo diversas matérias publicadas em sua coluna a respeito das crises política, econômica e de imagem que o Brasil vem enfrentando. Isso me levou a uma série de pensamentos e dúvidas sobre a possível evolução do Brasil para um país verdadeiramente independente.

Eu realmente acredito que o Brasil pode e tem potencial para alcançar esse nível. Mas, ao tentar entender toda essa situação de uma maneira generalizada, tudo pareceu tomar proporções muito maiores das que eu havia imaginado.

Falo dos escândalos políticos _em destaque o último 'caso Calheiros' _, que desgastam a nossa imagem e nos tiram o pouco de credibilidade que possuímos lá fora; da nossa fraqueza em nos impor, sempre ostentando o título de emergente sabendo que podemos mais; e falo também de todo esse comodismo em que vive o cidadão brasileiro que se indigna, revolta-se, mas que elege novamente aqueles que outrora o decepcionou.

Sei que tudo é muito mais complexo do que descrevo acima e por isso o motivo deste e-mail é na verdade um pedido de ajuda quem sabe socorro de um jovem que quer um país no mínimo digno (gosto de pensar na Nação dessa forma), capaz de, além de ser reconhecido lá fora, ser motivo de orgulho aqui dentro.

Meu desejo na verdade é poder abrir os olhos para perceber o que vamos ter de fazer para alcançar esse tão desejado Brasil. E, se somos capazes de tal coisa, quais são, na verdade, as reformas que teremos de enfrentar para alcançá-lo.

É um assunto muito complexo (esse nosso Brasil), mas conto com sua atenção para esclarecer minhas dúvidas sobre cada ponto mencionado. Pois lendo e concordando com seus comentários, sei que poderás me ajudar.

Pedido de um jovem incapaz de enxergar um Brasil livre da dependência de outros e finalmente capaz de ser Brasil!!

William Astor David"

Há mais de duas décadas, muita gente hoje na faixa dos 40 acreditou um dia que o Brasil se emendaria depois dos anos de regime militar. Houve o movimento Diretas Já, a redemocratização e finalmente, em 1988, a "Constituição cidadã" _ambiciosa e mãe de uma série de despesas sociais que não contavam com as receitas correspondentes.

O sonho começou a ir para o brejo.

Aos poucos, o Brasil foi quebrando e aumentando a sua carga de impostos sobre a sociedade para sustentar um Estado com problemas de gigantismo e corrupto. No meio do caminho, passamos por várias tentativas de estabilização econômica, até o Plano Real, em 1994, colocar as coisas mais ou menos nos eixos.

Do ponto de vista econômico, o governo Lula e o pesado ajuste fiscal imposto pelo FMI a partir de 2003 acabaram criando um tablado mais firme. O Brasil passou a avançar com mais estabilidade e tem agora podido aproveitar um pouco do sopro a favor da economia internacional.

Mas isso levou 20 anos. O que faz da maioria dos adultos de hoje cidadãos de um país que nunca viu sua economia crescer. Pior, viveu e assiste a uma crise ética talvez sem precedentes. Violência, ignorância e impunidade estão por toda parte.

O mau exemplo vem de cima: como atacar as chamadas bandas podres da polícia ou do Judiciário se o próprio presidente da República se sustenta hoje apoiado em um partido podre? Cerca de 85% dos senadores do PMDB têm rolos com a Justiça e o presidente da Casa, Renan Calheiros, oferece um triste espetáculo em esgoto a céu aberto.

Como falar em ética quando o partido governante perde todas as suas "estrelas" em uma crise feia, essa do mensalão, e tudo continua na mesma? O presidente é reeleito e tem avaliação recorde.

Parte da explicação é que até o passado recente a maior parte das preocupações nacionais concentravam-se na economia. Era um inferno que ocupava todos os espaços, nos jornais, nas angustias das pessoas.

Com isso mais ou menos sendo resolvido (o que ainda estamos por ver completamente), torna-se evidente outro problema fundamental. É simples: não há medo de cadeia suficiente neste país.

O jornal "O Globo" produz nos últimos dias uma série de levantamentos em que mostra casos escabrosos, de assassinos confessos e condenados, levando a vida numa boa fora das grades. Alguém aí duvida que os idiotas que espancaram a doméstica Sirlei em um ponto de ônibus no Rio estarão soltos em breve por algum artifício de nossa bela Justiça?

A quantidade de ilustres parlamentares, Barbalhos e Renans, que conquistam grandes patrimônios em velocidades alucinantes já seria motivo suficiente para investigações policiais e tributárias sérias. Mas nada é feito. Todos se locupletam em nome da "governabilidade". De novo, o exemplo vem de cima.

Há países que, como a Itália, tem economias estáveis mas seguem podres e feios politicamente. Até o dia de uma operação como a "Mãos Limpas", quando resolvem agir em busca de decência, em nome de algo maior.

Se de fato estiver superado o caos econômico dos últimos 20 anos, talvez isso venha a acontecer com o Brasil. Talvez seja aberto um novo espaço na agenda, para uma mudança de foco em direção a assuntos também muito graves, mas de outra natureza. Espaço para finalmente mudar esse exemplo que deve vir de cima.

Só torço por William para que isso não leve mais 20 anos.

fernando canzian

Fernando Canzian é repórter especial da Folha e editor do 'TV Folha', exibido aos domingos na TV Cultura (19h30 com reprise às 23h). Foi secretário de Redação, editor de política e do 'Painel' e correspondente da Folha em Nova York e Washington. Vencedor de dois prêmios Esso, é autor do livro 'Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929'.

 

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