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fernando canzian

 

29/10/2007 - 03h37

Los hermanos argentinos

A piada é tão antiga quanto boa:

"Qual o melhor negócio do mundo?" Resposta: "Comprar um argentino pelo valor que ele vale e vendê-lo pelo o que ele acha que vale".

O chiste é injusto com maioria dos argentinos, povo educado, gentil e, acima de tudo, solícito. Mas cai como uma luva no presidente do país vizinho, Néstor Kirchner.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Laura, 5, toca sanfona na Calle Florida, calçadão no centro, em troca de alguns pesos
Laura, 5, toca sanfona na Calle Florida, calçadão no centro, em troca de alguns pesos

No domingo, Kirchner conseguiu eleger presidente da Argentina sua mulher, Cristina. Passa o bastão a ela no próximo dia 10 de dezembro e tem planos de voltar ao cargo daqui a quatro anos.

Os últimos meses do governo Kirchner foram um estelionato eleitoral, realizado às custas dos credores da dívida argentina, dos salários dos trabalhadores e de muito gogó populista. Infelizmente, a América Latina continua fértil nesse campo.

Kirchner manipula desde janeiro os índices de inflação. O governo diz que os preços subiram "apenas" 8% nos últimos 12 meses, mas a inflação extra-oficial está em 20%. É com base nos 8% que ele corrige os rendimentos da dívida pública. Com isso, multiplicou programas sociais entre os argentinos mais pobres.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Cartazes nas ruas contra o casal Kirchner, acusando-o de querer uma "monarquia"
Cartazes nas ruas contra o casal Kirchner, acusando-o de querer uma "monarquia"

Ao mesmo tempo, Kirchner liquidou a maior força social que a América Latina conheceu na década de 90, os chamados "piqueteiros', que bloqueavam estradas e ruas com força suficiente para depor presidentes.

Ao longo do governo de Néstor Kirchner esses movimentos foram cooptados pelo dinheiro público farto ou esmagados por uma aplicação draconiana das leis argentinas. Hoje, há cerca de 3.000 'piqueteiros' sendo criminalmente processados no país.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Olegario, 46, e Victor Lagos, 38, moram e trabalham na Villa 31, maior favela central
Olegario, 46, e Victor Lagos, 38, moram e trabalham na Villa 31, maior favela central

Kirchner também se gaba de ter colocado a economia argentina novamente de pé. É um fato, mas o que ele fez (ainda com uma pequena diferença negativa) foi apenas recuperar o PIB argentino ao nível pré-desvalorização, em 2002, quando acabou a paridade peso/dólar dos anos de Carlos Menem (1989-99).

A economia argentina do casal Néstor e Cristina está superaquecida. A indústria chegou ao limite de sua capacidade de produção e não há segurança entre os empresários para realizar os investimentos necessários para ampliá-la. Kirchner manipula preços, pede congelamento às empresas e supermercados e mantém largamente defasadas as tarifas de energia. No inverno passado, faltou gás e a produção industrial despencou como reflexo do problema.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Fancisco Martinez, 20, ganha 30 pesos (R$ 17) a cada mil tijolos que produz em Corrientes
Fancisco Martinez, 20, ganha 30 pesos (R$ 17) a cada mil tijolos que produz em Corrientes

É muito provável que, passado esse período eleitoral, venha um ajuste. Daí o estelionato. O casal Kirchner manteve o discurso (e a economia) quente até vencer o pleito. Na semana anterior à eleição, o Banco Central argentino teve de queimar mais de US$ 500 milhões de reservas (hoje em torno de US$ 42 bilhões) para segurar o dólar, que quer subir por conta da inflação.

Um colega jornalista argentino acredita que a atual geração que já chegou ou está chegando ao poder nos setores público e privado da Argentina está "anestesiada" e muito pouco interessada ou preocupada com o futuro. Afinal, nos últimos dez anos no país quase uma dúzia de presidentes passaram pela Casa Rosada como resultado de várias crises.

Aparentemente, os argentinos estão mais preocupados hoje em desfrutar desse "bom momento" econômico. Que é, ao que tudo indica, totalmente insustentável.

fernando canzian

Fernando Canzian é repórter especial da Folha e editor do 'TV Folha', exibido aos domingos na TV Cultura (19h30 com reprise às 23h). Foi secretário de Redação, editor de política e do 'Painel' e correspondente da Folha em Nova York e Washington. Vencedor de dois prêmios Esso, é autor do livro 'Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929'.

 

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