Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

humberto luiz peron

 

10/01/2012 - 13h11

A evolução do torcedor, o vício e o fanatismo

Em 2012 completo dez anos escrevendo aqui neste espaço. Por isso, agora e na próxima semana --aproveitando o recesso do futebol profissional-- vou reproduzir textos que publiquei que mostram como torcedores, jogadores, treinadores e jornalistas enxergam o futebol.

A evolução do torcedor (publicado em 14/04/2003)

Durante nossa vida fazemos várias trocas. Sem pensar, muitas vezes mudamos de carro, de profissão, de emprego, de esposa, de ideologia, de partido político, e de gênero musical, mas uma coisa, por mais que se esforce você nunca irá trocar: o time do coração.

O clube pode estar em último lugar, sem dinheiro, sem elenco, sem títulos, mas você não o troca. Talvez, num ato de desespero, até tente abandoná-lo, mas logo percebe que não o larga.

Então por que você não troca de clube? Simples, porque desde antes de nascer você já era bombardeado para torcer por um determinado time. Você pode não ter percebido, mas a relação de amor (muitas vezes de ódio) entre o torcedor e seu time funciona assim:

Gestação até os seis anos
Durante os noves meses na barriga da sua mãe você já é bombardeado com as informações de qual time você irá torcer. O avô faz questão de dar o primeiro presente, alguma coisa que tenha o símbolo do time de coração. Os pais compram roupas com a cor do time que você deverá torcer. Alguns pais chegam ao exagero de, perto da barriga da mãe, cantar o hino do clube.

Você nasce e na porta do seu quarto na maternidade já existe o símbolo de um clube de futebol. No seu armário vai ter um macacão de algum tipo. Ao crescer, vai recebendo informações de futebol. Desde recém-nascido seu pai te coloca na barriga para assistir a uma partida. Ao começar a entender as coisas e participar das conversas, você só vai ouvir sobre futebol.

Por volta dos 5 anos você vai o estádio pela primeira vez. E vai todo paramentado (camisa, boné...) e se o time do seu pai vencer você pode ganhar mais guloseimas e até uma bandeira. Se perder, --é lógico que seu pai vai escolher um jogo que a equipe não corra risco de ser derrotada--, o seu pai vai afirmar que você dá sorte e suas idas ao estádio irão aumentar. Não importa se faça frio ou calor, se é noite ou tarde.

Decisão: entre os 5 e 8 anos
Com o futebol fazendo parte da sua vida desde antes de você nascer, agora chegou o momento da escolha que irá fazer parte da sua vida inteira. O seu pai fez tudo para que o (a) herdeiro (a) tivesse o mesmo time que o seu. Mas você, que já começa a ter noção do que é ser campeão, já começa a identificar a diferença entre ser o primeiro e o décimo, começa a ter influências de colegas de escola e, principalmente, qual o time que está ganhando mais ou aparecendo na mídia. Todo pai espera que seu clube esteja bem quando o seu filho chegar a essa faixa etária, senão a chance de haver uma "ovelha-negra" na família é muito grande.

Fanatismo: entre os 8 e 15 anos
Depois de definir o time, você se torna um fanático por futebol. Como já tem fluência na leitura, vai começar ler tudo sobre futebol e procurar conhecer a história do clube. Nesta fase você sabe a escalação de todas as equipes do país, coleciona figurinhas e camisas, e saberá qual a marca de chuteira que tal jogador usa. Quando tiver mais idade, as lembranças mais vivas da sua memória esportiva sairão dessa fase. Sem dificuldades, saberá as escalações de vários times, gols e partidas dessa época.

Independência: entre os 15 e final da faculdade
Agora você já começa a fazer grupos para acompanhar as partidas. Sua independência está decretada quando você vai assistir a um jogo fora de sua cidade e com seus amigos. Ao mesmo tempo, o futebol se torna um bom pretexto para uma reunião, onde você estará preparado para encher a paciência de torcedores de outros clubes. Você continua um torcedor ferrenho do seu time, indo aos estádios e acompanhando a colocação que ele está participando. Os outros campeonatos você acompanha, mas não com o mesmo interesse que antes.

Maturidade: entre o final da faculdade e o nascimento de seu filho
Existem muitas coisas para concorrer com o futebol, como sua carreira profissional e sua esposa. Você tenta vencer a concorrência para continuar acompanhando seu time. Com muito esforço, obtém êxito. Então você começa a ficar mais preguiçoso e prefere assistir pela televisão e deixa de ir aos estádios.

Renovação: nascimento do(s) filho(s) até ele chegar aos 15 anos
O nascimento de seu filho faz você voltar a fazer o que seu pai fez com você. Agora é a sua vez de fazer o filho virar um torcedor. Você volta a acompanhar tudo para ficar preparado para qualquer pergunta que ele fizer. O futebol vai ser uma boa maneira para conversar com o seu filho. Você volta a freqüentar estádios sempre tentando fazer com que ele se torne torcedor do seu time. Se não for, paciência. Esteja preparado para boas discussões futebolísticas com ele.

Lembranças: da independência dos filhos até a morte
Seus filhos já estão criados, você já está aposentado e agora o futebol se torna um bom amigo. Agora você não lê jornais com tanta freqüência, o rádio passa a ser seu maior companheiro para saber sobre o futebol. Você vai ficando cada vez mais nostálgico, falando que o futebol atual é muito pior que o do passado. Adora quando seus netos te perguntam a história do futebol. Com o passar do tempo, sua visão vai piorando e você prefere "ver" lances que ficaram na sua memória.

Pobres daqueles que não gostam de futebol ou não torcem por nenhum time.

De vício e fanatismo(publicado em 22/07/2002)
Vou para fazer uma confissão: sou viciado em futebol.

Dizem que quando você é viciado em algo, acaba mudando sua vida, larga seu emprego, sua carreira. E foi o que eu fiz. Larguei uma carreira para começar outra e poder ficar mais perto do futebol. Sem dizer as inúmeras vezes que menti, dispensei convites, inventei doenças e trabalhos extras apenas para poder assistir a uma partida de futebol qualquer, sem nenhuma importância.

Não confunda vício com fanatismo. O fanático não se importa com o que acontece com o futebol como um todo, ele só tem olhos para o seu clube. Tudo que contrarie seu clube é tratado como conspiração. Basta ele ler ou ouvir algo para ficar ofendido, para falar que ninguém entende de futebol, a não ser ele e os torcedores de seu time.

O viciado, não. Ele tem um time para o qual torce, mas prefere simplesmente discutir uma partida de futebol, independentemente do time ou resultado.

Outra diferença fundamental é que o fanático, de uma hora para outra, abandona o futebol e esquece seu clube. Quase sempre volta a acompanhar o time, mas para ele esses meses ou anos que esteve ausente não existiram na história do futebol. Sem dizer que todo fanático pensa que é craque de futebol nas peladas, enquanto o viciado joga apenas para se divertir.

Voltando ao vício, ele começa ainda na infância. No meu tempo de menino era impossível não se viciar em futebol podendo ver o final da época de ouro do Santos --era obrigatório ver os últimos jogos de Pelé--, a Academia comandada por Ademir da Guia, o genial meio-campo do São Paulo com Gérson e Pedro Rocha, a eterna luta de Rivelino para tirar o Corinthians da longa fila de títulos, o Internacional de Falcão, o Cruzeiro com os chutes certeiros de Nelinho, sem contar os jogos dos paulistas contra os inimigos cariocas.

Isso é passageiro, você e sua família pensam, mas logo só assistir às partidas não te satisfaz mais. Você tem que ouvir os programas no rádio, acompanhar todos os programas na televisão, comprar revistas, ler todos os jornais. O caso é extremado quando você tenta fazer isso ao mesmo tempo.

A televisão, nos últimos anos, se transformou na maior propagadora do vício. Com as TVs por assinatura é possível assistir aos jogos de todos os cantos do mundo. É possível ligar a TV no sábado de manhã e entrar numa maratona futebolística que só irá acabar no final do domingo.

Você pode se sentir um autêntico viciado em futebol, quando você começa assistir aos jogos na praia, ou nos canteiros das avenidas das grandes cidades e começa a comentar e até narrar os lances da partida.

Os viciados em futebol se atraem e passam horas discutindo sobre lances e jogadores do passado e tentam se lembrar de escalações de times inesquecíveis, além de descreverem jogadas e gols inesquecíveis. Sem dizer que sempre existe uma disputa, quase sempre velada, de quem é mais viciado, ou melhor, de quem se lembra de algo que ninguém se lembre ou saiba.

Esse vício eu não quero abandonar nunca.

humberto luiz peron

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve às terças-feiras no site da Folha.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página