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hélio schwartsman

 

18/02/2010 - 00h50

Políticos em cana

Muitos leitores me escreveram para cobrar um comentário sobre a prisão do excelentíssimo senhor governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. É claro que eu fico feliz com o fato de um caso tão bem documentado de corrupção e as subsequentes tentativas de acobertar a história ter provocado a consequência penal prevista, que é a prisão preventiva. Mas acho precipitado decretar que o Brasil mudou.

Para não ser inteiramente desmancha-prazeres eu até admito que ele esteja mudando, mas esse é um processo lento, que ainda exigirá não apenas a prisão como também a condenação de muitos Arrudas antes de podermos afirmar que nosso país atingiu o patamar das nações civilizadas no quesito corrupção.

Falo com um amargo conhecimento de causa, pois eu próprio, depois do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, fui um dos que se apressaram a sentenciar que dali em diante nada mais seria como antes no Brasil. Apenas para me desmentir, logo sucederam-se os Anões do Orçamento com o impagável João Alves, o deputado que era tão amigo de Deus que ganhou mais de 200 vezes na loteria, os vampiros e os sanguessugas do Congresso, o mensalão do PT, as avacalhações de Renan Calheiros, os desmandos de Severino Cavalcanti, as estrepolias do clã Sarney etc., etc.

Não podemos, evidentemente, esquecer os antecedentes do próprio Arruda, que, em 2001, em companhia de Antônio Carlos Magalhães, já se metera no escândalo da violação do painel eletrônico do Senado. Na ocasião, o então líder tucano subiu à tribuna para, num discurso incisivo, negar todas as acusações e proclamar a mais absoluta inocência. Poucos dias depois, desmentido por fatos que nenhum panetone podia esconder, Arruda voltou ao púlpito de onde, desfazendo-se em lágrimas, asseverou: "Não matei, não roubei, não desviei recursos públicos". Espertamente, renunciou a seu mandato de senador para não ser cassado. Deu um tempinho. Trocou o PSDB pelo DEM e fez-se deputado federal e, depois, governador do DF.

Numa coluna

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u664080.shtml

recente, já analisei o caso Arruda sob a perspectiva dos panetones, isto é, das desculpas esfarrapadas que políticos apanhados em flagrante de malfeitorias costumam nos oferecer. A pergunta que não quer calar agora é: como diabos os brasilienses puderam eleger este sujeito? A mesma inquirição pode ser estendida para inúmeras outras excelências espalhadas por todos os cantos do país, desde rincões até bastiões da elite branca de olhos azuis.

E a resposta, já há muito intuída por políticos e marqueteiros e que agora ganha apoio da neurociência, é que, na definição do voto, emoções são muito mais decisivas do que a razão. Eu posso estar careca de saber que aquele sujeito é uma nulidade política e até que já se envolveu com coisas que não devia. Mesmo assim, se por qualquer motivo (político ou não) ele despertar em mim mais sentimentos agradáveis que o seu rival, é provavelmente ele que eu escolherei.

Os sociólogos já haviam, é claro, identificado esse tipo de voto, que muito amiúde se materializa na eleição de moças bonitas e figuras folclóricas para o Congresso. Acreditavam, contudo, que esse fenômeno ficava restrito à fatia da população, em geral menos instruída, que não se interessa por política. O que uma série de estudos feitos nos EUA está mostrando, porém, é que o voto emocional é a regra. O que os mais cultos e politizados fazem é desenvolver racionalizações mais sofisticadas para justificar suas escolhas, que são, como as da maioria, feitas muito mais com o fígado do que com a cabeça.

Esse é um tema fascinante ao qual prometo voltar com mais detalhes em breve, tão logo encerre um miniprograma de leituras sobre o assunto. O que me interessa, por ora, é especular sobre caminhos que nos tornem menos vulneráveis ao conluio entre a arquitetura de nossos cérebros e os maus políticos que nos faz escolher para postos-chave da administração pública gente que não teria condições nem de cuidar do cofrinho do filho.

O diagnóstico já está dado: sobram emoções, faltam os filtros racionais que nos permitiriam manter afastados os personagens duvidosos. E, já que eles dificilmente virão do eleitor, o que nos resta é terceirizá-los para outras instâncias, como os partidos.

Pessoalmente, eu desconfio bastante de agremiações. Acho que é porque, emocionalmente, já me senti traído por uma. Se me fosse dado criar um sistema político do nada, faria um no qual a filiação a uma legenda não fosse quesito obrigatório para concorrer a um cargo proporcional ou majoritário. Só que a nossa realidade não é essa. Hoje, é preciso estar filiado a um partido para disputar qualquer mandato eletivo. Sugiro, então, que recrutemos essa regra para fazê-la trabalhar a nosso favor.

A chave aqui é fazer com que a agremiação assuma responsabilidade pelas atitudes de seus filiados eleitos: se o político deslizar, tanto ele quanto a sigla são punidos. Em relação ao sujeito, a pena já está estabelecida: cassação do mandato e inelegibilidade por oito anos. É preciso, então, discutir a sanção que cabe ao partido. No caso dos cargos majoritários, acho que poderíamos pensar em proibir a agremiação de apresentar postulantes ao mesmo posto pelos mesmos oito anos. Se um senador pelo partido P se revelou um crápula e foi merecidamente cassado ou condenado pela Justiça em crime relacionado à função, aí P ficaria por oito anos impedido de lançar qualquer candidato a senador por aquele Estado. É preciso bolar algo parecido para os cargos proporcionais (deputados e vereadores) ou simplesmente adotar o sistema distrital (ao qual também tenho umas poucas ressalvas).

Uma estrutura como essa forçaria as legendas a prestar mais atenção aos postulantes que apresenta. Isso poderia até ser o embrião de uma reforma que daria maior consistência ideológica a nossas siglas, mas não sou tão crédulo.

Evidentemente, há riscos nessa empreitada. O mais óbvio é que as burocracias partidárias sairiam fortalecidas. E, como escândalos recentes mostraram, os caciques estão atolados até o pescoço nas falcatruas que chacoalharam a República. Seja como for, a responsabilidade solidária não há de fazer mal às siglas. Na pior das hipóteses, fica tudo como está; na melhor, deve cair um pouquinho a concentração de picaretas reincidentes que concorrem em eleições.

Esse é apenas um modelo de filtro aos excessos emocionais. Nada impede que concebamos e adotemos outros. É um exercício até divertido de imaginação.

hélio schwartsman

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

 

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