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hélio schwartsman

 

15/07/2010 - 00h01

O caso Bruno

Comento hoje o caso do goleiro Bruno. Ou melhor, comento a reação das pessoas ao caso do goleiro Bruno.

Não é de hoje que crimes chocantes mobilizam as atenções públicas. Mitchell Stephens, professor de jornalismo da Universidade de Nova York, conta em seu "A History of News" que mesmo povos iletrados já tinham uma obsessão por coletar notícias, de preferência as que envolvem violência e sexo. A ágora grega e o fórum romano, para além de suas funções administrativas, constituíam-se em verdadeiras centrais de fofoca, onde as pessoas iam para inteirar-se do que ocorria na cidade e no mundo. Mal a imprensa foi inventada por Gutenberg no século 15, já surgiram os primeiros jornais sensacionalistas.

A obsessão humana por informação, em especial as relativas a pessoas, tem boas razões de ser. Como todos os animais gregários, saber como se comportam nossos semelhantes pode ser vital. Precisamos ser capazes de reconhecer quais indivíduos são "confiáveis" para efeitos de altruísmo recíproco e quais são trapaceiros. Ainda que fofocas nem sempre sejam confiáveis, o advento da linguagem nos trouxe a possibilidade de obter esse gênero de informação apenas trocando umas frases, sem a necessidade de interações diretas e continuadas com o objeto do mexerico. Pudemos substituir os bandos, onde cada membro é um conhecido, pelas cidades.

Temos até aqui, justificativa para um interesse geral por notícias. Mas por que crimes?

A questão diz respeito ao aprendizado. Descobertas no campo da neurociência estão mostrando que nossos cérebros são guiados pelo prazer. Já desde o útero procuramos nos expor a experiências necessárias para o correto funcionamento das conexões neuronais. Um exemplo: bebês gostam de ser chacoalhados; e gostam porque isso faz bem a eles. É como o cérebro se ajusta para lidar com o equilíbrio e o movimento.

E esse mecanismo não se interrompe depois que o cérebro amadurece. Estamos sempre em busca de mais experiências e, de preferência, experiências extremas, pois é com elas que temos mais a aprender. O problema é que situações-limite tendem também a ser perigosas. E não faria muito sentido colocar a vida em risco para adquirir habilidades que só são úteis enquanto estamos vivos. A solução que a natureza encontrou para esse dilema é a simulação, o jogo. Meninos e cachorrinhos não precisam entrar em duelos mortais para aprender a combater. Eles podem, sem grandes prejuízos e de forma relativamente segura, adestrar-se nas mesmas competências apenas brincando de lutar.

E a coisa vai muito além da esfera física. Como mostra o psicólogo Paul Bloom em seu "How Pleasure Works", o mesmo vale para sentimentos e situações sociais. Podemos nos exercitar nessa seara assistindo a um filme, lendo um romance ou o tabloide sensacionalista. Os detalhes do enredo são o de menos; o que importa é que sejam situações extremas que possamos "vivenciar" em segurança. Não vemos fitas de zumbi nos preparando para a eventualidade se sermos atacados por essas criaturas. Na verdade, o tema dos mortos-vivos é apenas uma maneira criativa de organizar uma história que reúna "tópoi" mais mundanos como ser abordado de forma hostil por estranhos e traído por pessoas próximas. Sugar cérebros é, como diz Bloom, um "opcional extra".

Há, contudo, uma diferença importante entre a ficção e as notícias reais, ainda que levemente colorizadas pela imprensa amarela. É bem verdade que ler sobre um crime nos jornais nos dá a possibilidade de experimentar a montanha-russa sentimental livres do risco de topar com o assassino voltando à cena do crime. Mas fatos que sabemos reais têm um custo emocional que inexiste para histórias inventadas: o preço a pagar em empatia é muito maior na primeira situação. É por isso que suspeitos de assassinato na vida real correm um risco muito maior de ser linchados por uma multidão do que artistas que apenas desempenharam o papel de vilões.

O caso Bruno, porém, não é só um crime brutal. No que configura ouro puro para a imprensa, ele também envolve o goleiro do time mais popular do país e que faturava por mês uma quantia que a maioria dos brasileiros consideraria uma fortuna --ou seja, uma celebridade ou pelo menos alguém a caminho de sê-lo.

E celebridades são uma outra obsessão humana. A raiz é a mesma. Temos interesse por acompanhar pessoas no topo da hierarquia social porque, no passado, nossas vidas podiam depender disso. Nossa dependência de líderes e soberanos se reduziu, mas o gosto pela tietagem ficou, direcionando-se para figuras darwinianamente improváveis como Paris Hilton, a princesa Diana e Michael Jackson.

E isso parece ser um resquício de nossas mentes essencialistas. Estamos sempre em busca de uma natureza secreta das coisas. Não que isso seja necessariamente um mal. Ao contrário até, esse essencialismo nos leva a ser observadores detalhistas, que tentam ler em pistas externas a verdadeira essência dos objetos --e isso tende a favorecer a sobrevivência. Se você for um botânico superficial, acabará levando a planta venenosa em vez do remédio para casa. Mais até, o próprio sucesso das ciências indica que existem de fato realidades não evidentes a ser descobertas no mundo. Só que a contrapartida desse essencialismo é que muitos de nós, além de ler as fofocas de celebridades, ainda acreditam em magia, horóscopo, homeopatia e deuses.

hélio schwartsman

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

 

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