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joão pereira coutinho
Massacres
Mais um massacre nos Estados Unidos, mais um massacre na mídia com os clichês conhecidos sobre o assunto. E o mais curioso - ou deprimente - é que nenhum dos lados da batalha escapa a essa guerra de clichês.
De um lado, acusam-se as armas, a cultura das armas, a venda irrestrita das armas. E, claro, o festim de violência promovido por jogos, filmes e programas de tv.
Se, por hipótese académica, as armas jamais fossem vendidas livremente; e se Hollywood se transformasse numa versão ainda mais delicodoce de Bollywood, com sorrisos fartos e canções espontâneas, massacres como o de Newtown, no Connecticut, seriam impensáveis.
Como, aliás, eram impensáveis nos idílicos tempos pré-televisivos e pré-cinematográficos do Faroeste.
Do outro lado, um extremismo gémeo. Comprar armas é um direito constitucional como, sei lá, comprar sapatos. E não interessa fazer distinções entre revólveres de defesa pessoal e semiautomáticas de uso policial ou militar.
Karsten Moran - 14.dez.12/The New York Times | ||
Moradores de Newtown (EUA) fazem vigília pelos mortos no massacre na escola primária Sand Hook |
Desconfio até que o ideal seria comprar livremente granadas, bazucas e, por que não, um tanque ou um "drone" para ter no quintal.
A minha pergunta, tão óbvia que até dói, é saber se os especialistas leram os pormenores do último massacre. Eu li. E um resumo da tragédia desqualifica ambos os lados.
A culpa é das armas? Não. A culpa é de Adam Lanza, um psicopata de 20 anos que matou 20 crianças e sete adultos, antes do suicídio clássico. Ele é o responsável. Foi ele quem premiu o gatilho.
Mas Adam Lanza não está sozinho no momento da repartição de culpas: a mãe, igualmente vítima dos crimes do filho, considerava normal ter armas em casa de livre acesso para a descendência.
Mais: de acordo com vários jornais americanos, a começar pelo "New York Times", a sra. Lanza tinha o hábito saudável de levar os filhos em piqueniques familiares para que todos pudessem descarregar a adrenalina com o seu arsenal doméstico.
Na história de Newtown, há um criminoso e há uma responsável pela educação criminosa do criminoso. Sem falar das armas, compradas pela mãe e usadas pelo filho. Apesar da legislação assaz restritiva do estado do Connecticut a respeito. E que armas são essas?
Não, obviamente, um modesto revólver para defesa pessoal. Mas, pelo menos, dois exemplares semiautomáticos --uma Sig Sauer e uma Glock-- que deveriam ser reservados, apenas, a policiais e militares.
Uma lei razoável sobre o direito à compra e porte de armas é uma lei que discrimina armas aceitáveis de arsenal inaceitável.
Mas nem a lei mais razoável do mundo será capaz de parar a criatura mais irrazoável: é a vontade de matar, não o instrumento do crime, que horroriza as consciências sãs.
Infelizmente, essa vontade não pode ser legislada. E, como escrevi nesta Folha recentemente depois de um outro massacre deste tipo, a única certeza sobre a tragédia de Newtown é que ela será a penúltima quando a próxima ocorrer.
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro 'Avenida Paulista' (Record). Escreve às terças na versão impressa e a cada duas semanas, às segundas, no site.
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