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joão pereira coutinho

 

17/12/2012 - 05h49

Massacres

Mais um massacre nos Estados Unidos, mais um massacre na mídia com os clichês conhecidos sobre o assunto. E o mais curioso - ou deprimente - é que nenhum dos lados da batalha escapa a essa guerra de clichês.

De um lado, acusam-se as armas, a cultura das armas, a venda irrestrita das armas. E, claro, o festim de violência promovido por jogos, filmes e programas de tv.

Se, por hipótese académica, as armas jamais fossem vendidas livremente; e se Hollywood se transformasse numa versão ainda mais delicodoce de Bollywood, com sorrisos fartos e canções espontâneas, massacres como o de Newtown, no Connecticut, seriam impensáveis.

Como, aliás, eram impensáveis nos idílicos tempos pré-televisivos e pré-cinematográficos do Faroeste.

Do outro lado, um extremismo gémeo. Comprar armas é um direito constitucional como, sei lá, comprar sapatos. E não interessa fazer distinções entre revólveres de defesa pessoal e semiautomáticas de uso policial ou militar.

Karsten Moran - 14.dez.12/The New York Times
Moradores de Newtown (EUA) fazem vigília pelos mortos no massacre na escola primária Sand Hook
Moradores de Newtown (EUA) fazem vigília pelos mortos no massacre na escola primária Sand Hook

Desconfio até que o ideal seria comprar livremente granadas, bazucas e, por que não, um tanque ou um "drone" para ter no quintal.

A minha pergunta, tão óbvia que até dói, é saber se os especialistas leram os pormenores do último massacre. Eu li. E um resumo da tragédia desqualifica ambos os lados.

A culpa é das armas? Não. A culpa é de Adam Lanza, um psicopata de 20 anos que matou 20 crianças e sete adultos, antes do suicídio clássico. Ele é o responsável. Foi ele quem premiu o gatilho.

Mas Adam Lanza não está sozinho no momento da repartição de culpas: a mãe, igualmente vítima dos crimes do filho, considerava normal ter armas em casa de livre acesso para a descendência.

Mais: de acordo com vários jornais americanos, a começar pelo "New York Times", a sra. Lanza tinha o hábito saudável de levar os filhos em piqueniques familiares para que todos pudessem descarregar a adrenalina com o seu arsenal doméstico.

Na história de Newtown, há um criminoso e há uma responsável pela educação criminosa do criminoso. Sem falar das armas, compradas pela mãe e usadas pelo filho. Apesar da legislação assaz restritiva do estado do Connecticut a respeito. E que armas são essas?

Não, obviamente, um modesto revólver para defesa pessoal. Mas, pelo menos, dois exemplares semiautomáticos --uma Sig Sauer e uma Glock-- que deveriam ser reservados, apenas, a policiais e militares.

Uma lei razoável sobre o direito à compra e porte de armas é uma lei que discrimina armas aceitáveis de arsenal inaceitável.

Mas nem a lei mais razoável do mundo será capaz de parar a criatura mais irrazoável: é a vontade de matar, não o instrumento do crime, que horroriza as consciências sãs.

Infelizmente, essa vontade não pode ser legislada. E, como escrevi nesta Folha recentemente depois de um outro massacre deste tipo, a única certeza sobre a tragédia de Newtown é que ela será a penúltima quando a próxima ocorrer.

joão pereira coutinho

João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro 'Avenida Paulista' (Record). Escreve às terças na versão impressa e a cada duas semanas, às segundas, no site.

 

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