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joão pereira coutinho

 

07/02/2011 - 00h01

Fumar, urinar, mendigar

A semana foi dominada pelo Egito. Mas existem sinais de fanatismo do outro lado do mundo. Falo de Nova York, que resolveu aprovar uma lei revolucionária sobre o fumo.

Segundo leio, o conselho municipal da cidade, na impossibilidade de exterminar fisicamente os fumantes (por enquanto), prepara-se para afastá-los da paisagem.

Fumar em parques, praias e outras zonas pedestres (como Times Square) será virtualmente impossível. E existem multas para os prevaricadores: US$ 100, ou seja, R$ 166, exactamente o mesmo para quem urina em público ou pede esmola.

Engraçado. Aos olhos das autoridades, o fumante não é um sujeito autónomo, que escolhe um modo de vida com a maturidade própria das pessoas crescidas. O fumante está ao mesmo nível do selvagem incontinente que, tomado por urgência canina, resolve fazer o serviço na esquina de uma rua.

Ou, então, é um simples mendigo: um farrapo físico, para alguns moral, que depende da generosidade de terceiros.

Se juntarmos a tudo isso a impossibilidade de fumar em bares ou restaurantes (desde 2003); e a crescente proibição de fumo em hotéis, edifícios públicos e até apartamentos privados, o que resta aos fumantes em Nova York?

Resta, sejamos justos, a possibilidade de fumarem no meio das pistas e das rodovias, entre os escapes dos carros. Com sorte, ainda serão atropelados por eles.

Nada que horrorize Michael Bloomberg, mayor da cidade, para quem "o direito ao ar puro" não pode ser comprometido. Falar de "ar puro" em Nova York não deixa de ser uma piada macabra; é como falar das águas límpidas do rio Tietê.

Mas entendo Bloomberg: a sua cruzada não é científica pelo simples motivo de que não existe um único estudo, em mais de 60 anos de pesquisas, capaz de comprovar definitivamente a relação entre "fumo passivo" e câncer.

A cruzada de Bloomberg e de incontáveis fanáticos como ele é uma cruzada moral: movidos por uma ideia de perfeição humana, onde o vício não entra, eles pretendem transformar Nova York numa espécie de Meca puritana, onde todos rezam à mesma divindade. A Deusa Saúde. A única que sobreviveu no Ocidente pós-cristão.

Lamento. Mas não desisto. E da próxima vez que aterrar em Nova York, prometo fumar um cigarro no meio de Times Square, ao mesmo tempo que me alivio num poste. Pode ser que haja um desconto para quem comete dois crimes de uma vez. Ou três. Porque as multas serão pagas com o dinheiro das esmolas.

joão pereira coutinho

João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro 'Avenida Paulista' (Record). Escreve às terças na versão impressa e a cada duas semanas, às segundas, no site.

 

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