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luiz caversan

 

05/11/2011 - 14h42

Loucos de rua

Desde criança sou fascinado pelos loucos de rua. Na verdade é um sentimento entre a curiosidade e a piedade, com um pouco de aflição. Não consigo deixar de prestar atenção e de fixar na memória esses homens e mulheres (mais homens do que mulheres, por que será?) que perambulam pelas ruas por onde passei, da zona leste de São Paulo ao centro da cidade, pela zona sul do Rio de Janeiro ou por Higienópolis, atualmente.

A maioria dessas almas perdidas na rua é de esquizofrênicos, me disse uma vez uma amiga psiquiatra. E cada bairro o cada cantão da cidade tem seu maluco, muitas vezes totalmente integrado à paisagem urbana e social.

Mas os tipos variam: há aqueles que conversam com um interlocutor imaginário, os que veem os automóveis como se fossem monstros flamejantes, os que caminham rapidamente com atormentada expressão de urgência no semblante, os indignados que repetem imprecações e broncas como que diante de uma enorme injustiça. E, talvez a maioria, os acumuladores, aqueles que arrastam sacos, sacolas e embrulhos cheios de sabe-se lá o que, muitas vezes eles mesmos embalados em camadas e camadas de andrajos apodrecidos.

Seres meio apodrecidos, penso sempre. E nessas horas o sentimento mais forte que me assalta é o desejo de que a causa de seu martírio (a doença mental, independentemente de qual) também tenha lhes tomado a compressão desse seu destino; que ele não tenha consciência de sua condição, por favor...

Alguém já disse que o aspecto mais terrível da depressão, por exemplo, é o fato de seu portador ter plena consciência de seu estado. Em geral sabe muito bem que está doente, sofre atolado num limbo do qual não consegue se livrar, aprisionado numa mente defeituosa, o que aumenta ainda mais o seu sofrimento.

Alguns desses tantos malucos que andam pelas ruas das grandes cidades (recentemente estive em São Francisco, nos EUA, e os encontrei à pencas...) deixam bem evidente que vivem no outro mundo mesmo, e talvez este mundo seja melhor que o nosso, posto que riem e expressam aparente permanente êxtase.

Outros trazem a desgraça estampada no pânico do olhar desesperado, enquanto outros mais, os que mais me afetam, andam rapidamente, quase que num frêmito, em busca desesperada de alguma coisa muito, muito urgente. Talvez a própria sanidade.

Dia desses, um homem jovem, magérrimo e coberto de trapos varria com as mãos a calçada junto a um ponto de táxi no Pacaembu. Varria, varria e olhava furioso para o carro que estava parado no ponto. Bastou chegar um passageiro e o carro partir para ele abrir um sorriso e pular no meio fio, passando a varrer freneticamente com as mãos já quase feridas o asfalto onde o automóvel se encontrava.

Que sujeira é essa que ele tanto varre, fiquei imaginando, enquanto o homem fazia montinhos imaginários. Juntava ali, talvez, suas lembranças, seus amores e seus pecados...

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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