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luiz caversan
SOS Abaré: é preciso salvar este projeto
Uma das atividades comunitárias mais bem sucedidas do Brasil está correndo o risco de sofrer um grande baque sem nenhum motivo verdadeiramente justificável.
Trata-se do iminente encerramento da experiência inédita, eficaz e reconhecida internacionalmente do barco Abaré, que desde 2006 se presta ao serviço de atendimento médico hospitalar a populações ribeirinhas desassistidas da Amazônia, mais especificamente às margens do rio Tapajós, no Pará.
O barco, que é completamente equipado para este fim, com consultórios, ambulatório, gabinete dentário e laboratório de análise clínica, mais todo o aparato necessário para seu funcionamento e navegação, só existe e funciona graças aos esforços do Projeto Saúde e Alegria, que há mais de 20 anos é liderado pelos irmãos Caetano e Eugênio Scannavino (este, médico sanitarista) e mais uns poucos abnegados.
O barco é de propriedade da ONG holandesa Terre des Hommes, que o cede em comodato ao projeto brasileiro, num acordo que não tinha data para terminar. Mas sem nenhum motivo aparente ou qualquer justificativa, a entidade holandesa comunicou oficialmente esta semana que vai retirar o barco de circulação, sem ao menos informar que fim será dado a ele, e tampouco se referir à interrupção do atendimento que ele presta ou permitir que houvesse tempo para que a embarcação fosse substituída por outra.
O Projeto Saúde e Alegria é uma das iniciativas da sociedade civil mais sérias e prestigiadas deste país. Já foi motivo de reportagens elogiosas tanto no Brasil quanto no exterior e por conta dele o dr. Eugênio venceu o prêmio Empreendedor Social do Ano, promovido pela Folha e Fundação Schwab, em 2006. Além das seguintes láureas: Prêmio Experiências em Inovação Social na América Latina e Caribe do CEPAL, Medalha Dom Helder Câmara, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Pamela Peeters Sustenable - Planet Film Festival - Sustainable Stewart Award 2008 - Business Category, Angel of Earth - Prince Albert II of Monaco Foudation. O projeto também tem o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde, do Banco Mundial, do qual é consultor, e da Fundação Melinda e Bill Gates.
E o barco é peça fundamental para o êxito dos programas desenvolvidos pelo Projeto (que também envolvem saneamento, educação e cultura), uma vez que, desde que começou há seis anos em a zingrar as águas verdes e límpidas do Tapajós, um dos rios mais bonitos da Amazônia, mas nem por isso com a população satisfatoriamente atendida no que diz respeito a saúde, educação e quetais, o Abaré tem beneficiado ao menos 15 mil pessoas. O trabalho é permanente e rotineiro, com o barco atracando e prestando atendimento rotativo (no mínimo a cada 35 dias) em 73 comunidades à beira do rio, pertencentes aos municípios de Santarém, Belterra e Aveiros.
Anualmente são realizados pelo Abaré e sua equipe de 20 profissionais mais de 20 mil procedimentos clínicos, entre atendimentos médicos, tratamentos dentários completos e consultas odontológicas, vacinações, pré-natal, exames laboratoriais no próprio local, acompanhamento regular de diabéticos, hipertensos, pronto atendimento e remoção das emergências, atendimento domiciliares, distribuição de medicamentos, além das jornadas cirúrgicas curando cataratas, hérnias e outras doenças ali mesmo. Sem falar nas campanhas educativas, palestras, brincadeiras e circo, porque, afinal o nome do projeto é Saúde e Alegria, e como se sabe sem alegria não há saúde e sem saúde não há alegria...
Antes do Abaré o projeto era tocado com uma embarcação de menor porte e de atendimento muito mais restrito. E no ano passado, uma outra embarcação, também menor, entrou em operação para atender, ainda pelo Projeto Saúde e Alegria, a população de outro importante rio da região, o Arapiuns.
Nada que justificasse, porém, a decisão da ONG holandesa de interromper o comodato.
Não se sabe se a decisão foi motivada pela crise financeira europeia ou por quais outros percalços, o fato é que o pessoal do Saúde e Alegria, bem como as prefeituras da região que dependem do barco (em convênios) para assistir sua população, vive momentos de angústia.
Há o recurso da Justiça para não permitir que o trabalho do Abaré seja interrompido sem mais aquela, ou seja, sem que seja possível promover sua substituição. Mas há, sobretudo, a esperança de que a decisão da Terre des Hommes (Terra dos Homens) seja revista e o Abaré continue em sua jornada vitoriosa.
Jornada esta que pude constatar pessoalmente em 2010, em visita ao Tapajós, presenciando atendimento médico ambulatorial e laboratorial surpreendente tanto pela excelência quanto pelo lugar em que acontecia (junto ao rio e à beira da selva Amazônica), além de ser realizada dentro de uma filosofia de trabalho que é de dar orgulho a qualquer brasileiro - dê uma olhada neste filmete e veja que projeto bacana. Assista:
Por sua trajetória e seus méritos, o Projeto Saúde e Alegria (assim como a população que ele beneficia) merecia um pouco mais de carinho.
Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.
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