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luiz caversan

 

07/04/2012 - 11h00

Páscoa, passagens

Apesar de batizado, crismado e de ter feito a primeira comunhão, quem sabe até por isso mesmo, sempre me incomodaram os chamados símbolos da cristandade. Ou melhor, sempre me assustaram, desde cedo.

Não á para menos, diria um amigo anarquista, posto que o principal item de adoração dos católicos nada mais é que um instrumento de tortura, a cruz.

Sim, ver aquele homem ainda que filho de Deus pregado numa cruz muito mais me afligia do que confortava porque ele estaria ali para nos salvar. Salvar de quê, mesmo? Do pecado original? Mas e todos os outros, muitos e mais terríveis, que cometemos após a sua morte bárbara?

Bem, mas o fato é que os símbolos e cerimônias do catolicismo soavam como algo ainda muito mais pesante do que a já insuportável culpa que procuravam impor às nossas jovens almas.

Jovens de quem ia à missa ainda e que gostava, sim, de ir à procissão da sexta-feira santa. E que num misto de excitação, medo e certa raiva se encantava com o canto da Verônica a exibir o rosto trucidado do senhor morto estampado no tecido santificado.

O canto era lindo, o momento da procissão, eletrizante, e a estampa dos ferimentos no rosto do Deus homem revoltavam: quanta iniquidade!

A estas lembranças de infância claro que acorrem os pecados todos que não podíamos mas cometíamos nos 40 dias que sucediam a farra toda do Carnaval - quanto riso, quanta alegria! - quando não era para comer carne, mentir, brigar, desobedecer pai e mãe etc. etc., e quem aguentava?

Por isso, assistir àqueles velhos filmes da Paixão de Cristo no cinema do bairro e ir à procissão era quase que obrigatório para compensar os desvios da Quaresma. E também porque a gente gostava e porque não tinha coisa muito melhor para fazer.

Ah, mas bom mesmo era o que vinha depois: só na minha rua da Vila Esperança havia nada menos que quatro Judas para malhar. Na vizinhança, dezenas. Fora o Judas gigante do Cambuci, que em geral representava um político em desgraça (um Demóstenes, sabe?) e saía no jornal e na TV.

O Sábado de Aleluia, hoje tão desprestigiado, era uma festa, com direito a baile de Carnaval e tudo, mas na verdade servia apenas de aperitivo para a festa maior, que ocorria no domingo de Páscoa.

Talvez seja a melhor lembrança e a marca religiosa mais efetiva, embora bacalhau e ovo de Páscoa não tenha nada a ver com Cristo.

Mas era o clima de amizade e fraternidade entre todos, a família e os amigos reunidos, o pescado, o vinho e uma certa reverência cerimoniosa na refeição que acabavam remetendo ao sentido verdadeiro da Páscoa, que é o da renovação.

Para todos ali em casa, havia sim um recado implícito naquela celebração: brincamos depois sofremos depois comemos e bebemos, agora vamos nos renovar para viver a vida que Deus nos deu, em paz e com honestidade.

E assim é que deveria ser, sempre e para todos, os que têm e os que não têm uma feliz Páscoa.

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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