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luiz caversan

 

15/09/2012 - 04h46

O sorriso do avô

Eu não tive avô. Nem avó. Quer dizer, claro que tive, mas os quatro morreram antes de eu nascer.
Quando pequeno, cheguei a lamentar essa má sorte, mas nem tanto, porque não tinha bem ideia do que significava a companhia de um segundo pai ou segunda mãe, e os exemplos de que dispunha não eram lá essas coisas.

As referências mais próximas eram as lembranças de minha mãe a respeito do sogro e da sogra dela, obviamente pai e mãe de meu pai, os mais presentes nas conversas, porque foram últimos a morrer - minha mãe ficara órfã de mãe aos 7 anos e de pai antes dos 15.

E havia também o Nonno, avô do meu vizinho Cláudio, que já no fim da vida habitava um quartinho na casa do meu amigo. Passava o dia sentado na borda da cama, pitando seu cigarro de palha e apenas acenando para nós crianças, que brincávamos no quintal. Se fora uma boa companhia para o Claudinho, não parecia mais: era apenas um velhinho que morreria logo, levando seu semblante triste e seu cheiro de tabaco forte, impregnado nas paredes do quarto e que para mim, para sempre, tornou-se sinônimo de "cheiro de velho".

Sobre meus avós paternos tampouco as referências eram muito animadoras. Italianos ambos, vieram "fare L'America" justamente no Brasil, num roçado do interior de São Paulo. Onde viveram três décadas e se acabaram de trabalhar para criar os muitos filhos, inclusive meu pai, Ermínio.

No fim da vida, e antes de eu nascer, ambos foram viver uma temporada na casa da Vila Esperança, zona leste de São Paulo, passagem suficiente para consolidar o que minha mãe repetiria sobre o velho Ernesto para sempre: um ranzinza, ignorante, bruto, feio, mal humorado, que mal se comunicava com quem quer que seja e vivia emburrado pelos cantos.

A avó, Santa, era, de fato uma santa, segundo a nora Julia: carinhosa, tranquila, atenciosa, doce e delicada, sempre com uma palavra de apoio a dar, uma companhia e um ombro a oferecer.
Terá sido apenas típico exagero oriundo de desentendimentos nora/sogro, com parti-pris feminino em relação à sogra?

Pode ser.

E nunca saberei direito se poderia ter sido diferente se o veneziano de veneta Ernesto tivesse junto a ele, a acompanhar o finalzinho de sua jornada, um menininho pimpão a alegrar seus dias, no caso eu.

O problema é que eu nasci um ano e pouco após sua morte, e Ernesto sempre permaneceu envolvido numa bruma de informações desencontradas, meio míticas ou mesmo mentirosas - teria vindo ao Brasil primeiro e depois voltado à Itália para raptar a mulher e trazê-la para cá; uma vez, arando a terra num roçado, deu um soco na cara do burro que havia empacado, nocauteando-o...

Recentemente, virei eu avô, por aqui anda (quer dizer, mal engatinha...) o Gabriel, com seus olhos claros já muito curiosos e suas mão ágeis de dedos longos. Vivaz como a mãe, minha filha, comprido como o pai canadense.

A presença de Gabriel fez reacender lembranças desse passado que não conheci senão pelas memórias de outrem. Reacendeu também, porém, sentimentos que eu sabia que existiam, mas que estavam ali escondidos pela distância ocasionada pelo tempo e deturpados pelo sentimento alheio.

Com meu neto sorrindo para mim, passei a amar mais meu avô, o velho Ernesto, que certamente teria dado muitos e bons sorrisos se eu tivesse tido a fortuna de estar a seu lado.
Um avô e um neto, hoje não tenho dúvidas, é fórmula certa a caminho da felicidade.

*

Para quem acha que este tipo de sentimento ou visão de mundo têm alguma importância, recomendo vivamente, passando adiante a dica da Sofia Carvalhosa, a leitura de "O Sorriso Etrusco", livro do espanhol José Luis Sampedro (Editora Martins Fontes, 363 pag., R$ 68).

É, coincidentemente, o relato saboroso do encontro do velho (e ranzinza) italiano Salvatore com seu netinho Bruno, o que irá proporcionar profundas revelações e transformações a ambos.

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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