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luiz caversan

 

02/02/2008 - 00h03

Confetes, marchinhas e saudades

A primeira fantasia foi de índio. Poderia ter sido de índio brasileiro mesmo, mais adequada ao calor de fevereiro, mas, não, foi de índio americano, calças e camisa de mangas compridas, com babados coloridos, tecido rústico, áspero e quente como o quê.

Mas quem se importa: pintura no rosto, machadinha na mão, o importante era pular, muito e sempre, porque Carnaval era mesmo para isso, brincar, rir e cantar, como se a vida fosse uma alegria só --mas não era.

Nos salões do Recreativo Unidos de Vila Esperança, do São Sebastião, do Esportivo da Penha e, luxo dos luxos, do Corinthians, lá no Tatuapé, a folia era contagiante, uma alegria só --"Quanto riso, ó, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão", pontificava Zé Kety, e lá ia o povo cantando pra seus males espantar-- e eram muitos os males.

Nasci e cresci com o Carnaval na porta da frente, nas vias empoeiradas da Vila Esperança, onde pontificavam nos anos 40/50/60 meia dúzia de clubes/agremiações carnavalescas, que literalmente botavam os blocos na rua todos os anos.

Havia disputas por troféus e, além do Vila, havia o 5 de Julho, o Guarani, o modesto Salas...

Do outro lado da linha do trem (numa certa época da infância isso significava do outro lado do mundo...) vinha, de vez em quando, uma novidade que deixava a todos excitadíssimos: "Este ano a Nenê vai desfilar!"

Isso significava que a já então famosa escola de samba do bairro vizinho, a Vila Matilde, iria dar o ar de sua graça para os simples mortais que se contentavam com o Carnaval da Vila ou não tinham dinheiro para o desfile "na cidade".

Com a Nenê subindo a ladeira da rua Evans, a festa era completa, mas o desfile dos clubes da Vila já bastava para fazer o Carnaval de bairro mais animado de São Paulo durante muitos anos, imortalizado até em marchinha de Adoniram Barbosa cantada pelo próprio ou pelos Demônios da Garoa.

A festa que durante o dia levava famílias inteiras para as ruas --havia uma família, numerosa, em que todos os homens se vestiam de mulher e todas as mulheres, de homem, uma farra-- de noite se transferia para os salões.

Não tinha nada a ver com as baixarias que se perpetuaram tempos depois; era coisa fina, orquestras fantásticas, como a do Clodo, muito confete, serpentina e apenas aqui e ali o aroma proibido do lança-perfume.

Já vi muito Carnaval na vida, de Parintins a Olinda, passando pelo fortíssimo e autêntico Carnaval de Salvador dos anos 70, os blocos da zona sul do Rio, até um improvável e supreendentemente animado em Aparecida (!). Vi também, por força do ofício, nada menos que 10 anos seguidos de desfiles na Marquês de Sapucaí, presenciando momentos históricos, como o Cristo censurado de Joãozinho Trinta, os astronautas voadores da Mocidade, as lindas homenagens da Mangueira aos baianos Gil, Caetano, Gal e Bethâniam e depois ao cara mais classudo que já conheci na vida, Tom Jobim. Vi também a fantástica paradinha funk da viradouro e até a modelo sem calcinha do Itamar, passando pelo samba realmente fantástico, então, de Monique Evans, Luma de Oliveira e Luisa Brunet. Num ano, acompanhei o desfile inteiro misturado aos músicos da impressionante bateria nota 10 da Mocidade de Padre Miguel. De arrepiar

Sim, houve muitas e boas em quarenta e tantos carnavais, mas não é que o que mais sobrevive na memória é a bendita fantasia de índio que pinicava o corpo todo, num longíquo Carnaval da Vila Esperança?

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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