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luiz caversan

 

12/07/2003 - 00h00

Armas demais

"Se eu tivesse uma arma, teria dado um tiro na cara dele."

Ouvi essa frase outro dia mesmo, de uma conhecida, que em geral é calma, controlada e consciente de seus direitos e deveres de cidadã.

Obviamente era um desabafo, compreensível, até: dois rapazes numa motocicleta emparelharam com seu carro num sinal de trânsito fechado, o da garupa quebrou seu vidro com uma barra de ferro, encostou uma faca na sua garganta e exigiu sua bolsa. Antes de arrancar com o fruto do assalto, o pilantra ainda roçou a mão no rosto da moça e a chamou de gostosa.

Chocada, com os olhos vermelhos de chorar "pela humilhação", ela repetia: se tivesse uma arma teria dado um tiro na cara dele.

Se a minha amiga iria atirar mesmo contra o ladrão que a assaltou numa avenida movimentada da cidade é difícil de se saber: muitos outros fatores, além da raiva e da humilhação, iriam interferir na concretização daquele ato tão grave, e imagino que a noção de cidadania e justiça iria prevalecer sobre o impensado. Mas, como disse, é impossível afirmar com certeza.

Foi refletindo sobre isso, no entanto, que me lembrei da discussão ora em curso que opõe defensores da liberação do uso de armas por qualquer cidadão aos que querem a proibição do porte. Sempre fui e sempre serei partidário da posição segundo a qual quanto menos armas melhor.

Não acredito sinceramente que o aumento da presença de armas junto à população vá beneficiar a segurança, creio até que o efeito será oposto, e cito a favor deste argumento o fato de 83% dos homicídios registrados no país ocorrerem por intermédio de armas de fogo.

Mas também não acredito que a proibição total terá o efeito profilático desejado pelos defensores do banimento. Pode até ter algum significado simbólico e efeitos de longo prazo, mas de cara não, por um motivo bem simples: a imensa maioria do armamento de uso pessoal que circula pelo país é ilegal, fruto de contrabando.

Ou seja, a proibição não afetará a imensa maioria, que já se encontra na ilegalidade. Se a polícia não consegue coibir hoje o uso do que é já proibido, por que conseguiria fazê-lo com a ampliação da proibição? Portanto, a proibição não pode nem deve ser uma ação isolada, uma lei para não pegar, apenas. Deve fazer parte de uma política muito mais ampla que tenha como objetivo efetivamente diminuir os índices da violência no país, sobretudo por intermédio do combate aos criminosos, esses sim muito bem armados, abastecidos que são pelo contrabando, e nem um pouco preocupados em debater a questão.

ps - na hipótese de ter dado um tiro no rapaz que a assaltou, muito provavelmente minha conhecida teria feito isso com uma arma ilegal.

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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