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luiz caversan

 

13/09/2003 - 00h00

Obscenidades

O diretor de teatro Gerald Thomas pode vir a se tornar um criminoso e ser condenado a até um ano de prisão. Como tem bom antecedentes, sempre a serviço das artes, nunca irá para atrás das grades. Mas vive uma situação absolutamente inusitada: no país da bunda, seu "crime" foi mostrar a bunda.

Obscenidade, disse o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro diante do fato de Gerald Thomas ter mostrado o traseiro para responder a vaias à sua montagem da ópera "Tristão e Isolda".

Isso seria apenas uma bobagem isolada se, não satisfeito com a constatação altamente criativa (enxergar obscenidade num traseiro exibido dentro de um teatro), o MP não decidisse oferecer denúncia à Justiça, que, pasme, aceitou!

Agora, dependendo do andar da carruagem, Thomas poderá ser processado e até condenado.

Discutir se um nu provocador num teatro é ou não ato obsceno equivale a discutir a quadratura do círculo, ou seja, absurdo total numa cidade em que se anda seminu nas ruas, num país em que bunda de mulher vira chocolate para ser vendido às crianças.

Agora, discutir se Ministério Público e Justiça devem perder tempo e dinheiro com esse tipo de impertinência, isso dá para fazer sim.

Por que não oferecer denúncia contra a obscenidades verdadeiras que, desculpe o trocadilho, abundam não só no Rio de Janeiro, como no país todo?

Como a obscenidade das crianças cheirando cola pelas esquinas e praças e sob os viadutos.

A obscenidade das meninas se prostituindo nas calçadas de Copacabana ou Manaus.

A obscenidade da situação de desamparo em que se encontram os milhares de moradores de rua das grandes metrópoles.

A obscenidade da humilhação a que é submetido o imenso contingente de vítimas do desemprego.

A obscenidade da morte do comerciante chinês, vítima de tortura num cárcere carioca, aliás bem perto do Ministério Público de lá.

A obscenidade da morte de um major da PM que trabalhava para o secretário de Esportes do Estado do Rio, hoje acusado de envolvimento com o tráfico. O major foi metralhado, morreu com 11 tiros dentro do seu Audi preto. Aliás, outra obscenidade, major da PM ter dinheiro para comprar Audi...

A obscenidade das favelas, dos camelôs, da degradação do meio ambiente da cidade mais famosa do Brasil...

Enfim, eis que há obscenidade de sobra para o Ministério Público do Rio se preocupar.

Mas, não: vai implicar justamente com a bunda do Gerald!

Ora, fala sério!

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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