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luiz caversan

 

27/03/2004 - 00h00

Depressão e suicídio

A agência que controla a comercialização de medicamentos nos Estados Unidos, a FDA, tomou uma importante decisão esta semana: determinou que as embalagens de antidepressivos ostentem um alerta para o risco de o usuário desse tipo de remédio cometer suicídio.

A iniciativa põe mais lenha na fogueira de uma discussão que já vem ocorrendo há pelo menos dois anos e que diz respeito ao impacto que a disseminação do uso dos antidepressivos pode causar nas populações.

Estão aqui envolvidos remédios que são de uso comum no exterior e também no Brasil: Prozac, Zoloft, Effexor, Remeron, Serzone, Luvox, Lexapro, Celexa (ou Cipramil), Paxil (Aropax) e Wellbutrin (Zyban).

A teoria mais aceita pelos médicos é a seguinte: com o início do tratamento com esses remédios, o doente em situação mais grave consegue sair da situação de torpor ou inação em que em geral se encontram, passando a dispor do mínimo de ânimo necessário para tomar iniciativas. Uma iniciativa possível seria tentar (ou conseguir) colocar em prática uma idéia fixa extremamente comum à mente deprimida: pôr fim à vida e ao sofrimento.

Teoria bem razoável, essa.

Porque quem conhece a doença de experiência própria ou por conta do relacionamento com algum portador sabe --ou ao menos tem condições de saber-- como se desenvolve esse processo de saída parcial do limbo em que o paciente se encontra quando a depressão ataca para valer, e a dificuldade que envolve a retomada de contato com a realidade.

Mas considero que seja importante notar outros aspectos mencionados apenas "en passant" no debate sobre o alerta determinado pelo FDA.

Seja qual for o nível de depressão, o início de qualquer tratamento com antidepressivo é problemático. Por intermédio da bula dos medicamentos ou na conversa com o médico especialista, o usuário de cara ficará sabendo que o medicamento só passará a fazer efeito de fato depois de pelo menos duas, três semanas de uso. E que uma série de efeitos colaterais poderão ocorrer durante o tratamento.

Agora imagine a seguinte situação: um homem ficou deprimido, quadro clássico e grave. Perdeu o interesse pelo trabalho, pela família, pelos amigos, por sexo, pela vida, não sai de casa, chora, sente-se ameaçado, com medo e sem razão de viver. Mas não consegue interagir com nada, fica prostrado dentro de casa. Se pensa em se matar, não tem forças para isso.

Sofre, além de tudo, com o preconceito generalizado que existe em relação a esse tipo de comportamento "estranho". Sofre também porque, como todo bom deprimido, arrasta uma culpa sem fim.

Dependendo da personalidade e do contexto social desse homem, procurar tratamento será um martírio à parte. Psiquiatras? Remédios de tarja preta? É o fim...

Mas, não, trata-se apenas do começo. Porque, se enfrentar seus medos e preconceitos, o homem irá ao médico, provavelmente será instado a adotar um dos antidepressivos de última geração e desenvolverá uma expectativa enorme em relação aos resultados --que espera serem imediatos-- da sua atitude corajosa.

No entanto, o que provavelmente vai suceder é: os sintomas da depressão continuam, com melhoras que aparentemente não justificam o "sacrifício", e, muito pior, a possibilidade de surgirem efeitos colaterais é muito grande.

Então, além de tudo o que já vinha sucedendo, podem surgir: dor de cabeça, excesso ou falta de apetite, tremores, insônia ou excesso de sono, pesadelos, suor abundante, ondas de calor, inapetência sexual ou priapismo, crises de choro, dificuldade de concentração, euforia etc., etc.

Em maior ou menor intensidade, esses efeitos indesejáveis podem acompanhar a utilização de praticamente todos os antidepressivos, inclusive os de última geração --basta ler a bula, está tudo lá...

Ora, o cidadão conseguiu romper minimamente as amarras da doença para, enfrentando seus próprios preconceitos, procurar o médico estigmatizado, passou a tomar o remédio estigmatizado e, ainda assim, o que descobre, nas primeiras semanas de tratamento, é apenas que aumentou o sofrimento?

É duro, muito duro de agüentar.

Daí a necessidade inapelável de todo tratamento com antidepressivo exigir a presença de um médico atencioso e dedicado, se não um especialista, ao menos um profissional muito bem informado sobre tudo o que pode acontecer com o paciente e disposto e pronto a dar toda a sustentação necessária.

Quem vive, viveu ou conhece essa realidade não tem dúvidas quanto a isso.

Ainda mais que a vulgarização do diagnóstico da depressão está levando cada vez mais médicos não-pisquiatras a receitarem os antidepressivos. Menos mal que se combata a depressão em várias frentes, sem esperar que o doente chegue ao "fundo do poço". Mas deve haver a conscientização de que o remédio não é a panacéia sem riscos que levará ao melhor dos mundos.

*

Como já informei nesse espaço, estou preparando um trabalho de fôlego sobre depressão. A idéia inicial era realizar um livro que ajudasse as pessoas a entenderem e enfrentarem melhor o transtorno que aflige tanta gente. Agora, esse projeto evolui e está em processo de transformação, mas continua crescendo.

Portanto, convido leitores que tenham conhecimento próprio ou de terceiros que enfrentam ou enfrentaram situações difíceis por conta da depressão, por favor que escrevam, que enviem depoimentos, façam sugestões, dêem dicas, enfim que se disponham a compartilhar suas experiências. Se julgar conveniente, o leitor pode omitir sua identidade ou a daquele que viveu uma situação concreta relatada.

Creio que a troca de informações é fundamental na luta pela melhoria da qualidade de vida de quem enfrenta essa realidade.

*

Ainda a propósito da "polêmica" provocada pela inconstância das preferências alcoólicas do sambista Z, peço licença ao doce e querido colega Joaquim Ferreira dos Santos, titular da coluna "Gente Boa", do jornal "O Globo", para reproduzir a nota que ele publicou dia desses:

"Mônica, mulher de Zeca Pagodinho há quase 20 anos, mãe de seus três filhos, acompanha a polêmica em torno das brahmas do marido com certo enfado. Mônica não toma partido entre marcas. Pelo contrário. 'O que eu queria mesmo é que ele parasse de beber', desabafa."

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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