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luiz caversan

 

14/06/2008 - 00h09

Santo Antônio, o velho mano e a pressão alta

Já havia dois dias que a aflição apertava o peito. Duas aflições, na verdade. Primeiro por não se lembrar por qual razão fiz a bendita promessa; segundo, por achar que essa aflição iria interferir ainda mais numa variação de pressão arterial que atacou recentemente e que está, com o devido pânico, sendo monitorada. Ou seja, tudo o que alguém que está com a pressão alta não precisa é: ficar aflito, entrar em pânico. Enfim...

E a promessa pra Santo Antônio, ai, ai, ai, não havia jeito de lembrar porque a danada foi apalavrada com o santo.

Lembro vagamente de ter perdido, um bom tempo atrás, alguma coisa; mas alguma coisa muito importante, que me deixou desesperado. Desesperado a ponto de, por recomendação de uma amiga, ter apelado ao santo. Mas Santo Antônio não é o casamenteiro? "Sim, mas ele também ajuda a encontrar qualquer coisa."

Sério, não lembro qual era o problema, mas que ele se resolveu menos de uma hora depois de feita a promessa, ah, isso eu jamais vou esquecer, porque fiquei impressionado. Era algo --ai meus neurônios! - extremamente sério, que iria causar problemas para mim e para outras pessoas, caso não fosse encontrado. Bastou combinar com Santo Antônio e, pimba, tudo resolvido!

Desde então virei fã do santo. Quer dizer, já tinha uma grande simpatia por ele, desde crianças, porque sempre adorei festa junina, e o dia de Santo Antônio, como se sabe, abre oficialmente a temporada da pipoca, quentão, bandeirolas, fogueira etc.

Outro motivo que consolidou essa empatia pelo santo foi descobrir que o seu Antônio, um anarquista amigo de meus pais, era devoto daquele que lhe emprestou o nome. Mas, como pode, seu Antônio, anarquista não acredita em santo nenhum, indaguei a ele um dia, pouco tempo antes de sua morte. "Claro que não, respondeu, mas todo anarquista é cético, inclusive com suas próprias crenças. Vai que existe mesmo Deus, céu, inferno e otras cositas más (seu Antônio era espanhol...). Se isso for verdade, Santo Antônio há de salvar minha alma. Claro, se existir alma...".

Grande seu Antônio, que tocava bandoneón toda noite de fim-de-ano, falando um basco-catalão-galego que ninguém entendia...

Mas o fato é que não lembro porque fiz a promessa, mas nunca esqueci o que havia prometido, sob orientação da minha amiga Eliná, especialista em santos diversos: dar pão para os pobres no dia de Santo Antônio.

Foi isso que prometi para encontrar o que havia perdido e acabei encontrando: pão.

E lá vinha eu ruminando minhas aflições no fim da tarde, pensando no pão e na pressão alta, quando vejo a padaria ali da esquina da rua Aracaju. Na hora de entrar no estabelecimento, um velhinho barbudo e com um boné encardido virado para trás, tipo mano, me aborda: "Pode ser uma moedinha, de qualquer valor?". Espera aí, disse, e entrei na padaria, pensando: já achei o pobre, só falta o pão.

Escolhi quatro pãezinhos bem bacanas, torrados do jeito que eu gosto, tipo "caseirinho", especialidade da casa, e ia saindo para cumprir minha promessa, quando veio a dúvida: pão puro, assim, seco? Coitado do velhinho, que além de tudo era meio banguela...

Tentei imediatamente localizar minha amiga para saber se a promessa tinha que ser cumprida só com pão ou se um presuntinho amigo também podia. Como ela é muito ocupada, não consegui esclarecer a dúvida, e fui na base do bom senso: se pão puro vale, pão com presunto vale também.

E foi assim que cumpri minha promessa, quatro pães caseirinhos com 150 gramas de presunto, cortado bem fininho, claro.

Olha, precisava ver a alegria do velhinho/mano quando viu o conteúdo da sacolinha que lhe entreguei. "Maravilha! Que o senhor tenha um bom dia!" Mas já está escurecendo, reparei. "Então tenha uma boa vida", respondeu, dando uma gargalhada.

Desci a ladeira de casa rindo também, mas na verdade com vontade de chorar. Poxa, tanta alegria só por causa de um pouco de pão com presunto... E eu aqui, com tudo de bom e ainda assim acabrunhado, ansioso, com a pressão alta por conta de mudanças de rumo na vida profissional e pessoal. Ora, ora...

Não sei porque, naquela hora, lembrei ter lido em algum lugar dia desses que o Nizan Guanaes, o craque da publicidade, é devoto roxo de Santo Antônio. Ele, que além de talentoso e influente, ainda perdeu um monte de quilos e anda exibindo uma silhueta de fazer inveja a qualquer um. Principalmente para quem está precisando mesmo emagrecer e acertar o rumo das idéias, para que a pressão volte aos 12 x 8. Será que Santo Antônio é bom pra isso também, Nizan?

Com esses pensamentos, o ressabiamento foi sumindo, uma certa leveza foi tomando conta da alma, o passo foi ficando mais lépido, e a esperança nas coisas boas da vida, ressurgindo, pacificamente.

Antes de começar a escrever essas linhas, tomei o cuidado de assinalar: "Dia de Santo Antônio, dar pão para os pobres". A mensagem está repetida todo dia 13 de junho na agenda eletrônica do computador, sem data para terminar...

E viva Santo Antônio!

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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