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luiz caversan

 

18/04/2009 - 12h11

"Trabalho faz mal à saúde"

Trabalhar, trabalhar mesmo, o começo foi com 14 anos, quando me tornei office-boy de um escritório de contabilidade na Vila Esperança. Mas antes disso, ainda com 10, 11 anos de idade, já procurava dar um sentido material à existência, além de descolar uns trocados para o cinema e o sorvete, vendendo revistas usadas num movimentando ponto de ônibus no centro da Penha, zona leste de São Paulo.

Depois disso, enveredei pelo caminho dos sabores, oferecendo de porta em porta, no meu bairro e adjacências, orégano, pimenta-do-reino, louro, pimenta calabresa, cominho e outros temperos que minha mãe comprava a granel no Mercado Municipal, eu embalava em saquinhos de celofane, ajeitava sobre um tabuleiro e ia à luta.

Vender cocada na Praia Grande foi aventura, aliás malsucedida, de apenas um verão. Mas o trabalho de office-boy surgiu como coisa séria, e bater perna pelas ruas do centro de São Paulo ensinaram muito, inclusive, anos depois, a entender melhor a cidade que iria retratar como repórter.

A seguir vieram as muitas madrugadas com sol, chuva, frio ou o que fosse, montando as peças de madeira, dispondo as mercadorias e atendendo a freguesia da barraca de feira da família, atividade que se estendeu, com intervalos, por pelo menos 10 anos. Era feira de manhã --ai, como era duro acordar àquela hora...-- e escola à tarde ou à noite. Folga, apenas na segunda-feira, dia em que, apesar do nome, não havia feiras na São Paulo dos anos 60/70.

Até o primeiro emprego como revisor de um grande jornal, sucederam-se o trabalho na feira, alguns meses como auxiliar de escritório numa metalúrgica, pesquisas de mercado, estágios no CIEE, venda de artesanato e outras atividades das quais nem lembro. Mas que demonstram, somadas às três décadas como jornalista de atuação diária, incluindo aqui intermináveis plantões de fim-de-semana, que trabalho, trabalhar, meter a mão na massa, nunca foi um problema.

Como diz meu amigo e terapeuta William Collier, nascido na Mooca, o trabalho está no DNA de quem vem da ZL --a Zona Leste paulistana. Que não se sinta excluído o laborioso pessoal da ZN, ZS ou ZO, por favor...

Eu acho que isso tudo me credencia ou me dá uma mínima autoridade para criticar o trabalho em excesso. Antes mesmo de entender um pouco dos transtornos de comportamento do tipo depressão, ansiedade, dependências químicas, compulsões e manias, sempre tive para mim que o workaholic é um doente.

Sabe aquela pessoa que "não consegue ficar sem fazer alguma coisa", que vai "trabalhar até morrer, se Deus quiser" ou que "o dia que parar de trabalhar, morre"? Pois é, esse tipo de gente sempre me assustou.

Trabalhar, para quem é filho de operário e feirante ou para quem apenas tem bom senso, é o que deve-se fazer para sobreviver e é o que deve-se se fazer apenas porque é o que se deve fazer. Ponto.

Mas o excesso, a gana, a fixação pelo trabalho, a necessidade artificial de se "matar um leão por dia" e ter orgulho disso são coisas que nunca engoli direito, que instintivamente sempre rejeitei.

Mas eis que surge a redenção para esse ponto de vista, um verdadeiro pecado nesta nossa sociedade em que o lazer e o ócio são imperdoáveis: descobri que foram comprovados os malefícios do trabalho para a mente humana.

Ouvi de relance o Luis Fernando Correia comentar isso outro dia na rádio CBN, fui pesquisar o tema e olhe o que encontrei: excesso de horas de trabalho causam declínio das funções cognitivas!

O estudo realizado com 2.214 britânicos de meia idade foi coordenado pelo Finnish Institute of Occupational Health and University College London e publicado no "American Journal of Epidemiology" e é, provavelmente, a primeira grande pesquisa que associa trabalho com memória e raciocínio.

Essa perda da capacidade foi detectada na comparação entre trabalhadores "normais", ou seja, aqueles que pegam no pesado 35 a 40 horas por semana, com os que "ralam" de 41 a 55 ou mais horas --na verdade, fichinha para muitos brasileiros, certo?

Bem, o fato é que a turma que trabalhava mais horas se saiu muito pior em testes realizados para avaliar o vocabulário e a capacidade de entendimento, compreensão e aprendizado. O resultado mostrou-se cumulativo, ou seja, quanto mais horas de trabalho, mais deficiência cognitiva.

Além disso, aqueles que na nossa sociedade são frequentemente referidos como exemplo de empenho e dedicação demonstraram muito maior propensão a conviver com problemas de sono, depressão e abuso de álcool, entre outros.

Pois é, esses dados não permitem ainda desmentir o velho ditado segundo o qual o trabalho enobrece o homem, nem é o caso.

Mas ao menos servem para questionar aquele ou aquela que adora apregoar que "vive para o trabalho".

Será que é isso mesmo?

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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