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luiz caversan

 

08/05/2010 - 12h59

Três mães

Mãe número 1 - passou dos cem anos de vida, , cercada pelos bisnetos, netos e filhos, alguns muito talentosos e famosos, envolvida em carinhos e lembranças delicadas, marcadas inclusive por um relacionamento de uma vida toda com um dos principais pensadores que este país já produziu.

Mãe número 2 - viveu num discreto recolhimento, quebrado apenas pelas ocasiões em que seu filho famoso, aliás o mais famoso de todos, prestou-lhe homenagens públicas. A fama do filho fez com que a senhora de mais de 90 anos fosse reverenciada por centenas, enquanto ele demonstrava pública e sofridamente todo o seu amor à beira do túmulo a que o corpo daquela lady baixou recentemente.

Mãe número 3 - aos 15 anos, é conhecida apenas pela letra J. Grávida precocemente, perdeu o filho que esperava. Furtivamente e abalada com a maternidade interrompida, invadiu um hospital e levou para casa um rec? ?m nascido, como se fora seu. Descoberta, devolveu a criança e simbolicamente perdeu o filho pela segunda vez. Por conta do delito "gravíssimo", trancafiaram-na em um abrigo de menores. Sequestradora.

Nada a ver uma com a outra, essas histórias, a não ser o fio condutor da maternidade e a evidência que seus personagens ganharam no noticiário recente.

Dona Maria Amélia, a primeira mãe, foi casada com o grande Sergio Buarque de Hollanda, deu ao mundo e ao Brasil em particular Chico Buarque, além de outros filhos talvez menos abençoados pelo talento, mas não menos queridos em uma família harmônica e saudável, conduzida pela sua forte personalidade. Personalidade essa que, após a morte do marido, manteve em evidência uma postura correta de conduzir as coisas numa perspectiva de tolerância e progressismo, o que a levou a ser amiga e admirada até pelo presidente Lula, mas desde o tempo em que ser amiga de Lula era uma temeridade. Recentemente comple tou um século de vida e, ao falecer, obteve homenagens e reconhecimento merecidos.

Dona Laura era uma mulher discreta e reclusa, mas consta que também de muita força de caráter, tendo sido a principal incentivadora e apoiadora, em seus princípios e por toda a vida, da carreira musical mais bem sucedida do país. Lady Laura sempre mereceu o carinho e a dedicação ostensiva do filho, Roberto Carlos, o que se estendeu aos fãs deste, que às dezenas a homenagearam quando de sua morte também recente, amparando o pranto público do "rei".

Às histórias de convivência pacífica, amor e solidariedade se contrapõe a triste sina de J.

Descrita como "atormentada e doente" pelo próprios policiais que a conduziram presa, aquela menina, uma criança de fato, teve seu ato de inconsequente insanidade, de infantil delírio, duramente interpretados pelo promotor Oswaldo Monteiro da Silva Neto, que pediu sua prisão. Não menos intolerante foi o juiz Caio Fer raz de Camargo Lopasso, que, acatando a argumentação do promotor, não procurou encontrar maneiras de oferecer à menina e à sua família alternativa qualquer para lidar com essa desgraça dupla (a perda do bebê e a tentativa de sequestro de outra criança) que não a prisão numa instituição absolutamente famigerada como a Febem, ou seja lá que nome tenha hoje em dia.

Os sentimentos em relação às mães normalmente se alinham em torno da bondade e do amor, sobretudo por conta dessa data, tão comercial quanto ainda assim importante para todos, que se comemora neste domingo.

Apesar da ausência, assim será com a família de dona Maria Amélia, certamente assim será com a família de Roberto Carlos.

Mas não é o que vai acontecer com a família de J, sem dúvida nenhuma.

Resta saber, talvez por mórbida curiosidade, que tipo de sensação terão o promotor Oswaldo e o juiz Caio, que não deram nenhuma chance a J e sua família (atendimento médico, reeducação assistida, apoio psico-social?), ao desejarem, para suas próprias, um feliz dia das mães?

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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