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luiz caversan

 

07/08/2010 - 09h18

Saudades do pai

Parece até que ele me cutucou na cama, com seu dedo grosso. E hoje, como fazia meu pai quando eu era criança, acordei bem cedo, antes mesmo do sol nascer, com uma saudade danada do "seu" Hermínio, filho de italianos, operário, gente bonissima, meu pai, que morreu 13 anos atrás.

E bateu uma saudade muito, muito grande.

Fiquei ali quietinho na cama, protegido do frio do dia que chegava, pensando, pensando, sentindo sua presença e sua ausência de uma forma muito intensa. Como nunca faço, pulei da cama ainda no escuro e vim aqui para o computador, pronto para dedicar a crônica deste sábado ao pai ausente, já também por conta do Dia dos Pais, amanhã.

Foi então que me lembrei de um texto de anos atrás, publicado também aqui neste espaço, no qual dava vazão a sentimentos idênticos aos de
hoje: respeito, admiração e saudades, novamente muitas saudades, daquelas que apertam o peito...

Pode até parecer recurso de cronista preguiçoso, mas tenha certeza, leitor, de que não é. Reli aquele texto antigo e, desculpe, está tudo ali, todas as lembranças, todo o carinho que pode existir entre um pai e um filho traduzidos em palavras sinceras e emocionadas.

Emoção que eu compartilho com você - deixando aquele abraço se você for um leitor-pai e pedindo desculpas caso, eventualmente, já tenha lido esta crônica, de agosto de 2006:

"Carta ao pai distante

Querido pai,

Pensei muito antes de decidir escrever esta cartinha, para a qual busquei inspiração em uma que fiz mais de 40 anos atrás, sob os cuidados da querida professora Benedita Célia, lá do grupo escolar da Vila Esperança.

Lembrei-me de que, naquela ocasião, tive de ler a carta, porque seu analfabetismo impedia que pudesse fazê-lo sozinho.

Mas hoje escrevo diretamente para você, porque tenho certeza de que, no lugar onde se encontra já lá se vão quase 10 anos, todos sabem ler, escrever, cantar e dançar e também podem ser chamados de você, não mais de senhor, como eu fiz da primeira à última vez, quando falamos na véspera de sua morte.

Bem, mas agora você está longe e ao mesmo tempo aqui pertinho, e minha carta nos aproxima ainda mais, porque Dia dos Pais é para isso mesmo, apesar da gastança inútil toda --na minha primeira infância, eu sempre te dava de presente apenas um frasco de loção após barba, e você adorava...

Referi-me logo acima ao fato de todos dançarem aí no céu, então você deve estar se divertindo, né, seu pé-de-valsa?!

Lembro-me tão bem dos bailinhos na varanda de casa, nos quais você saia rodopiando com minhas irmãs, que depois acabaram me ensinando a dançar, bolero, samba e quetais, o que sei até hoje.

Seus mais de cem quilos desapareciam como que por encanto quando o Lucho Gatica mandava bala no "Besame Mucho", e lá ia você todo pimpão.

Claro que nunca aprendi a rodopiar como você, mas sabe que eu herdei a tal "cara de bravo" que você tinha? Até que é uma boa, né, porque, enquanto todos pensam que estamos a ponto de sair no braço, na verdade, por trás da carranca, a gente está se divertindo. Você era um tremendo gozador, que eu sei. E adorava contar umas mentirinhas... Mas tudo bem, porque seu coração era enorme, sua capacidade de trabalho, inesgotável e sua mania de ser "viva e deixe viver" não tinha igual.

Por isso você era um cara muito querido por todos no bairro.

Toda tarde, quando você tomava banho e ficava fumando no portão, não tinha um que passasse na rua e não o cumprimentasse, o que me deixava muito orgulhoso.

Claro, você tinha seus defeitos, e minha mãe não deixava barato. Como o fato de nunca ter conseguido aprender a ler e escrever corretamente.
Mas o que minha mãe não levava em conta é que, mesmo assim, você era capaz, por exemplo, de montar e desmontar uma máquina gigantesca como um tear industrial ou uma empacotadora de biscoitos, acompanhando diagramas inextrincáveis e ainda se comunicando sabe-se lá como com engenheiros alemães!

E minha mãe também implicava contigo, dizendo que você não era um bom comerciante (ela era ótima, lembra?). Ora, eu também sempre fui péssimo para vender qualquer coisa, e acabei sobrevivendo, como você sobreviveu, criou três filhos e construiu, no muque, três casas, do alicerce ao telhado, ao encanamento (aí você era bamba!) e até mesmo à instalação elétrica.

Essa eu nunca vou esquecer: quando mexia com eletricidade, você sempre me chamava para "ajudar" e, segurando no fio descascado, relava a mão em mim só para rir do pulo que eu dava com o choquinho, que você mesmo nem sentia.

Pai, você era um camarada (adorava esta palavra...) impressionantemente especial na sua simplicidade e humildade.

Lembro-me perfeitamente, pouco antes de sua morte, naquele mesmo portão, mas já sem o cigarro, porque o primeiro infarto já o havia atingido, quando lhe perguntei se você tinha medo de morrer, e você disse que não, de jeito nenhum, com aquele seu sorriso calmo e simpático nos lábios.

Claro que não, você não tinha medo de nada! Pena que tenha sofrido tanto com o segundo infarto...

Bem, está difícil de continuar escrevendo, porque as lágrimas teimam em fugir ao controle, mas só queria dizer mais uma coisa: obrigado.

Obrigado por ter sido quem foi, mesmo sem nunca ter lido nada do que escrevi _mas eu fui virar justamente jornalista, escritor, caramba!

Obrigado pela noção de honestidade, trabalho, generosidade e correção que você praticou e me ensinou.

Obrigado por todas as vezes que me levou nas costas nadando suavemente, pelos lambaris que pescamos juntos, pelas telhas que colocamos no telhado da casa da praia e pelo amor que você sempre fez questão que demonstrar por mim e por minhas irmãs queridas.

São esses ensinamentos e esses sentimentos que, para mim, fizeram de você um pai especial.

Aquele pai que eu faço questão de recordar aqui e agora para homenagear todos os bons pais que porventura lerem essa cartinha, neste Dia dos Pais.

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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