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luiz caversan

 

12/03/2011 - 07h00

Depressões pós-folia

Anos atrás eu colhi diversas entrevistas com a ideia de um dia publicar um livro sobre depressão. A determinação de fazer isso era motivada, principalmente, pelo espanto que viver esse transtorno me causava, muito mais do que o interesse jornalístico ou científico propriamente dito. Para tanto, ouvi médicos, psicólogos, especialistas em outras especialidades e sobretudo deprimidos ou ex --se é que os há.

Mas à medida em que foi sendo possível controlar e contornar sintomas e medos, à medida em que o monstro cotidiano das frustrações, incapacitações, culpas e cansaços ia perdendo força, o ímpeto do livro foi diminuindo, até que os rascunhos acabaram sendo escondidos num arquivo qualquer de Word. Lá estão, guardados, porém não totalmente esquecidos, porque isso é simplesmente impossível quando se trata de depressão, esquecer.

Para que ficar remexendo males passados ou que se quer olvidar, pensei. E esconder parecia ser então a medida mais pragmática. Mesmo porque, da última vez em que resolvi fuçar nas anotações sobre minhas experiências sobre e com a depressão, tive a sensação de que estava limpando e arrumando a câmara onde havia sido torturado, reavivando fantasmas e ressentindo dores...

Melhor deixar pra lá...

Entretanto, o tema vira e mexe retorna, sobretudo aqui neste espaço, motivado acima de tudo pela pertinência de novas informações ou de dados não tão novos assim, mas que podem ajudar a entender um pouco melhor o que se passa na cabeça de parcela tão significativa de pessoas.

Assim é que de duas fontes diversas chegam duas informações instigantes, a saber.

Meu amigo psicanalista que torce o nariz para a depressão, sobretudo a minha, que segundo ele tem mais a ver com raízes, traumas e superações do que com químicas cerebrais, avisa que relendo uma das bíblias do setor, o "Manual Conciso de Psiquiatria Clínica", de Benjamin e Virginia Sadock, em segunda edição, constatou mais uma vez o que já tinha como certo e acertado: não existem evidências científicas, clínicas ou seja lá o que for comprobatórias de que haja componente genético na depressão. Ou seja, ninguém herda esse transtorno e a presença deste transtorno no histórico familiar não seria explicação plausível para a sua permanência gerações afora. Tá, e agora? O que fazer com avó, tia, mãe, primo e sobrinho deprimidos?

Outra informação, esta acessível no blog da amiga Claudia Galahied (claudiagalahied.blogspot.com), nos dá conta de que, de acordo com a "Revista Psiquiátrica Britânica", esta doença tão "feminina" que é a depressão passará a ser, neste século, um mal eminentemente masculino. E dois fatores preponderantes contribuem para isso: 1 - a benéfica e cada vez mais ampla veiculação das informações e dos dados a respeito da depressão estariam estimulando os homens a "assumirem" mais, a aceitarem mais e a discutirem mais o que o mundo tradicionalmente considera ser apenas fraquezas - para não dizer frescuras... 2 - as sucessivas crises financeiras e econômicas que têm assolado o mundo corporativo afetam sobremaneira o homem, que em geral atribui às suas funções como provedor e protetor da família importância fundamental; com a perda desses valores por conta do desemprego, da falência e da falta de recursos, perde-se um norte decisivo, que tiraria o homem do seu prumo, jogando-o nos braços da melancolia.

Bem, um dia o ótimo psiquiatra brasileiro Jair Mari me contou que tinha um paciente, dirigente de uma grande empresa multinacional, que diante do diagnóstico de depressão disse a ele: "Olha, vamos ter que arrumar outra doença, porque diretor de multinacional não pode ter depressão!"

Como diria um personagem do filme "O Invasor", de Beto Brant: "bem vindo ao pesadelo da realidade, playboy!"

Por fim, e a propósito da folia que se encerra, o título provisório do livro que não vai ser escrito era "A Arte de Ser Triste - Depressão no País da Alegria". Imagine você, folião/foliã, a culpa que dá ficar deprimido em pleno Carnaval?

A melancolia atávica é tão inexplicável quanto ficar quatro dias se divertindo sem parar --e sem motivo...

luiz caversan

Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos 'Cotidiano', 'Ilustrada' e 'Dinheiro', entre outras funções. Escreve aos sábados.

 

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